A revolta do rodapé

Posted in

Alaor Ignácio

Na hierarquia militar, eu seria o aspirante a soldado. Fosse numa famosa banda de rock, seria o carregador dos cabos que ligam a guitarra do ídolo ao amplificador. Num filme de western, o cocô do cavalo do bandido. Numa partida de futebol, a alça do apito do juiz.
Aqui, no 360, sou o rodapé... da última página. Você, raro, estimado, atento e querido leitor que chegou até mim, tem noção do que é isso?
Já foi a um banco em dia de pagamento, posicionou-se no quadragésimo oitavo lugar, observou que a fila andou duas posições em trinta e cinco minutos, e a caixa levanta-se, de lá da sua gaiolinha, e avisa sorridente: “deu pau no sistema!”. É isso!
Ser rodapé, querido amigo, é coisa pra quem tem a honradez do esperma nº 4.500.000.000 durante uma concepção. Está lá, participa da coisa e tal, mas fecundar que é bom...
Pois, hoje, eu me revoltei. E se não posso estar acima do título do jornal, na capa, quero ser manchete!
Analise semanticamente. Eu, o rodapé, sou composto pela palavra “roda”, em cujo centro quase sempre há um buraco, acostumado a fazer girar as vontades alheias ou a tomar nela própria sabe Deus o quê? Depois vem o “pé”, que se fosse superior não seria denominado membro inferior. Mas e todas essas políticas de igualdade de classes que andam comentando tanto nas outras páginas? Por acaso não faço parte daqueles que têm direitos?
Pra piorar, denominam-me “literário”. Você conhece alguém ou algum assunto “literário” que ocupe a manchete de um jornal que não é voltado exclusivamente às letras? Só se o Paulo Coelho estuprar a Dilma, ou o Gabriel Garcia Marques entrar para o islã e se auto-explodir na Casa Branca, levando o Obama com ele para o paraíso das virgens vestais.
Pois bem, daqui das últimas gotas de tinta impressas nessa última página estou disposto a aceitar qualquer negócio para chegar lá, na manchete. Falo das conquistas do deputado Nardo, da riqueza dos abacaxis para a cidade, do bucolismo do Parque dos Lagos e, se precisar, até invento que o prefeito Mauri receberá o Prêmio Nobel da Paz. Mas dá para me deslocar para a primeira?
Bem, perseverante leitor, com essa linha termina o jornal. E se você a estiver lendo no canto direito inferior, da fatídica página, fui vencido... mais uma vez.