Por Ana Carolina Araújo
Sou de uma família de seresteiros de Fernandópolis, interior paulista. E dentre os clássicos que costumo ouvir meu pai cantar desde que eu era criança está uma música de Vicente Celestino que deu nome a uma peça encenada antigamente nos circos: Coração Materno. Só pra resumir a história trágica: um rapaz quer provar sua louca paixão por uma moça (que deveria ser uma verdadeira sirigaita) atendendo a um pedido da mesma. A mocinha – diz a música que estava “brincando” – pede que o Mané lhe traga o coração de sua mãezinha. O rapaz corre para casa e encontra sua mãe rezando. Sem dó, o filho ingrato rasga o peito da mãe e tira o coraçãozinho da coitada – que cai aos pés do altar (pausa pra imaginar a cena terrível...).
Aí, o “campônio” (palavra que quer dizer camponês e é como o rapaz é chamado na música) sai correndo pela estrada pra levar o coração pra tal moça. Eis que ele cai na estrada, quebra a perna (bem feito!) e derruba longe o coração da mãe. Os quatro últimos versos da música resumem o que de melhor posso imaginar para personificar o amor de mãe: “Neste instante uma voz ecoou; Magoou-se pobre filho meu; Vem buscar-me filho, aqui estou; Vem buscar-me que ainda sou teu”.
O cara mata a mãe, tira o coração da pobrezinha pra levar como prova de amor a uma messalina e a mãe o perdoa... Amor incondicional. Acho que é isso que me assusta tanto quando penso na maternidade. Tem que ser um cabra muito do macho pra ser mãe. A começar pela gravidez. Deve ser muito difícil carregar barrigão nove meses, órgãos internos saem todos do lugar, o parto... ai, o parto. Terrível, terrível.
Então o guri nasce. Dói pra amamentar. Há seios que chegam a sangrar no início. E o guri chora. E você não sabe o porquê. Ele cresce e todos os medos do mundo lhe amedrontam, todos os dias. Ele comeu? Tomou banho? Estudou? Olhou para os dois lados antes de atravessar a rua? Está sofrendo bullying (esse medo está na moda...)? Vai passar no vestibular? Já transou com o namorado? Usou camisinha? Está bebendo demais? Arrumou emprego? Foi ao médico ver aquela dor de cabeça? Separou da mulher? Pegou o guarda-chuva e aquele moletom (só para o caso de mudar o tempo...)? E assim vai, nem uma só noite inteira bem dormida para o resto da existência. Uma prova de coragem a cada dia de vida da prole.
Será que é isso que amedronta mulheres que deixam seus recém-nascidos em lixeiras e caçambas, embalados em sacos plásticos? Não. Essa pode até ser uma das desculpas, mas penso que o motivo principal é o egoísmo, a total impossibilidade de dedicar-se incondicionalmente a outro ser humano que não seja ela mesma. São mulheres egoístas e mesquinhas demais para ter a coragem de gerir vida. E o descarte do filho no lixo deixa claro a relação delas com suas crias: a de total repulsa, indiferença e frieza. Por que não deixar o bebê indesejado na porta de alguém ou em alguma instituição? Jogá-lo no lixo, para essas almas secas, é dar destino final, sem volta, sem incômodos futuros. Um ato de egoísmo puro e repulsivo.
O que mais me espanta é que ficar grávida, hoje, não é como pegar resfriado. Fico pasma quando escuto um “escapou, não pude evitar”. Poderia listar aqui uma dezena de métodos anticoncepcionais, dos gratuitos na rede de saúde pública, como a camisinha, até os mais caros medicamentos. Em pleno século XXI, por que é tão difícil pensarmos em planejamento familiar? E por planejamento entendo que não seja apenas decidir a hora de ter filhos, mas também a decisão de não tê-los. Em uma sociedade onde crescer, casar e multiplicar é quase uma obrigação, essa discussão é difícil, ampla e controversa. Já saliento, antes de mal entendidos, que não sou a favor do aborto. Mas a decisão de gerar uma nova vida deve ser tomada com cuidado, certeza e, principalmente, muito amor.
E aí termino esse texto (que agora leio e parece um artigo quase anti-maternidade) expressando minha opinião do porquê, apesar das adversidades listadas, ainda deve ser maravilhoso ser mãe e a razão pela qual tantas mulheres não abrem mão de dar a luz. Ainda não tenho os meus filhos de sangue (embora, como professora, adotamos dezenas no dia a dia), mas relatos de muitas mães com as quais convivo me deixam fascinada. Ser mãe é a maior prova de amor ao mundo. É a chance de formar um ser humano com tanto cuidado, amor e dedicação para que ele possa contribuir para um mundo melhor. Ser mãe é se atirar de peito aberto em um abismo de possibilidades que transcendem a razão. É quase irracional ser mãe. Porque racionalizar a maternidade é pura especulação fria. E é só na prática que se pode provar o quanto o mundo seria melhor se houvessem mais mães como a minha. Como a sua. Porque amor de mãe é gostoso, confortante, sublime. E não há qualquer adversidade que possa se sobrepor a tanta luz.
Postar um comentário