Por Lausamar Humberto
O especialista em esporte do 360 é o Rafael Del Giudice. Como nesta edição ele se meteu a escrever sobre skate, aproveito para falar um pouco sobre futebol, este ópio das massas, como diriam meus amigos esquerdistas, ou “o ícone máximo da doutrinação mental das massas e desconexão da raça humana de sua essência” como disse certo blogueiro, coitado, que só deve jogar xadrez. Na verdade, não falo sobre futebol. Falo sobre o torcedor, mas o torcedor de verdade.
As maiores alegrias da minha vida foram dadas pelo futebol. Esta minha constatação deve causar estranheza em algumas pessoas, ou melhor, soa estranha para a maioria. Antes de atingir a sensibilidade daqueles mais suscetíveis, esclareço que sou solteiro e não tenho filhos. Se algum desses acontecimentos futuros e incertos vier a acontecer pode ser que eles ganhem lugar na minha parada de momentos inesquecíveis.
Os mais próximos podem perguntar: mas e a formatura em jornalismo? Nada que se compare com a conquista do Brasileiro de 87, também chamado de Copa União. Mais até, não se compara sequer com a vitória do Flamengo sobre o Atlético Mineiro por 3 a 2 na semifinal deste mesmo campeonato, o melhor jogo que já vi, com Renato Gaúcho tendo uma das maiores atuações de sua carreira.
Então a formatura em Direito, que é mais recente? Qual o quê. E o hexacampeonato em 2009, com atuações primorosas de Petkovic e o gol consagrador do predestinado Ronaldo Angelim? Não há comparação. Amigos bem próximos resolvem apelar e dão no fígado: e a entrada na Ordem DeMolay? A ordem é a segunda paixão de minha vida e jamais me esqueço do dia 21 de março de 1992, início de minha história no Capítulo Frutal. Mas, em 1992, o grande dia foi 19 de julho, quando, após empatar em 2 a 2 com o Botafogo, sob o comando do maestro Junior, o Flamengo era penta.
Há uma infinidade de exemplos: o tri do Mengão em 2001, com o gol cinematográfico de Pet; o tetra e o penta da seleção; o terceiro lugar do torneio de 1 de maio, em 1991, conquistado pelo time do Posto Frutal, que eu, com 16 anos, tinha a petulância de comandar.
Minha ligação com o futebol sempre foi visceral. E sou um defensor despudorado do torcedor fanático. Que é o único torcedor de fato. Aquele que evita qualquer compromisso na hora do jogo de seu time, que assiste ao jogo xingando, esbravejando, orientando os jogadores (passa, chuta logo, olha o ladrão...), rezando para todos os santos e segurando o rosário, se católico.
Torcedor de segunda-feira não dá. Por certo nem imaginava que o seu time jogava, mas fica sabendo da vitória e começa a tirar sarro dos adversários. Tenham paciência. Só é permitido qualquer tipo de zoação para aquele torcedor que se descabelou, quase teve um enfarte, que xingou o juiz o jogo inteiro. Este tem o direito inalienável de sacanear o perdedor. Torcedor almofadinha não pode fazer isso. É um desrespeito à ética do futebol.
E por falar em juiz. Vejo mil discussões sobre acertos e erros de arbitragens. Como se isso tivesse alguma importância. Meus caros, o juiz não está ali para comandar jogo nenhum. Está ali pra ser execrado, vilipendiado, xingado, receber pragas até a sua terceira geração. É o para-raio da angústia do torcedor.
O torcedor de verdade gosta de futebol. Mas gosta mais do futebol do seu time. Também paro para ver grandes jogadores e ótimos times. Admiro aqueles que são torcedores fleumáticos, que dizem gostar apenas do futebol bem jogado e quase têm um orgasmo assistindo Barcelona e Real. Parabéns para a razoabilidade deles. Eu prefiro Flamengo e Olaria.
Um craque
Saio do futebol e vou pro cinema. Woody Allen está com filme novo na praça. Em poucas praças, é verdade, porque ele não é nenhum Harry Potter. Meia Noite em Paris, sobre o qual andam dizendo maravilhas. Woody Allen é meu cineasta favorito. Não que eu o considere o maior. Não é. Penderia entre Stanley Kubrick, John Ford e Francis Ford Coppola. É o mais amado, uma paixão intelectual. Pudera, qual outro cineasta nos deu 10, 12 obras memoráveis?
Não é exagero. Woody jamais me decepcionou. E foram muitos filmes: "Annie Hall – Noivo Neurótico, Noiva Nervosa" que lhe deu o Oscar, "Manhattan", "A Rosa Púrpura do Cairo", "Tiros na Broadway", "Zelig", "Hannah e Suas Irmãs", "Crimes e Pecados", "Maridos e Esposas", "Neblinas e Sombras", "Desconstruindo Harry", “Match Point”, “Vicky Cristina Barcelona” .
Todos são um deleite. Allen acredita na inteligência, no bom humor. E tem uma paixão por Nova Iorque. Uma Nova Iorque terna, amorosa, e que só existe nos seus filmes.
O colunista da Folha de São Paulo, João Pereira Coutinho, escreveu certa vez um texto apontando a excelência da obra de Allen. O trecho que cito a seguir dá uma mostra do que se pode encontrar em seus filmes.
"Hannah" é o mais solar dos filmes de Allen e mesmo nos meus piores dias --uns vinte e cinco todos os meses-- a história de Mickey, o hipocondríaco que recupera a fé com um filme dos irmãos Marx, é a única ressurreição laica que me comove. Mas não é apenas uma ressurreição. É uma resposta: a mais simples e bela resposta do cinema moderno. Podemos não encontrar um sentido de vida, um sentido para a vida, o caminho célere para a felicidade ideal, como as teologias descartáveis prometem de porta em porta. Mas existem pequenas ilhas de felicidade, por onde vamos saltitando como náufragos perdidos. São estas ilhas que dão alento no caos que nos consome. O rosto de Mariel Hemingway em "Manhattan" --ou o rosto da pessoa que amamos, tanto faz. Os discos de Django Reinhardt em "Poucas e Boas" --ou os discos que fazem a trilha sonora das nossas vidas, tanto faz. E, como nesse "Hannah" que me deixa num estado de felicidade irreal, os poemas de e.e. cummings que descobri devido ao filme. Ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão generosas como Woody.
Deu vontade de assistir a algum dos filmes citados? Faça isso. Mas atenção: Woody Allen não é para todos. É apenas para os civilizados.
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