Por Mariana Nogueira
Com o nascimento do campus da Universidade do Estado de Minas Gerais em Frutal, a cidade ganhou não só em educação, mas também em desenvolvimento. Em 2004, ano do primeiro vestibular da UEMG, Frutal acolheu alguns novos moradores que cursariam Administração. A partir daí, o número crescente de universitários acompanhou o desenvolvimento do campus, que a cada ano criava novos cursos.
Atualmente, 1300 alunos freqüentam os sete cursos oferecidos pela instituição. Estudantes que adotaram Frutal como lugar pra viver. A questão é: como vivem esses universitários? Onde moram? Como se alimentam?
Uma boa parcela mora sozinha ou divide a casa com mais um estudante. Outros, optaram pela comodidade das pensões. Há ainda os que residem nas cidades vizinhas e vem todos os dias para Frutal de ônibus.
Mas são as repúblicas que estão se disseminando pela cidade, tornando Frutal uma cidade caracteristicamente universitária. Já é em torno de vinte o número de repúblicas instaladas atualmente na cidade, com uma média de cinco moradores. São repúblicas femininas, masculinas e uma mista.
Como grandes famílias
República tem perfil. Umas são mais unidas, outras mais independentes, mas todas vivem em sintonia. Pessoas que antes da faculdade não se conheciam, hoje vivem como uma grande família. Assim como o nome diz, república é uma coisa pública, neste caso, todos são líderes opinando e contribuindo para o bom andamento da casa.
“É como se fossemos irmãos, uma família” define Samuel Rocha, integrante da Vira-Lata, república masculina mais conhecida da cidade. Na casa moram além de Samuel, que é de Franca, Warley Damásio, de João Monlevade, Alex Santana, de Cajobi, Hugo Zaqueo, de José Bonifácio, Thiago Madlum e Felipe Soares, ambos de São José do Rio Preto.
Já as conterrâneas de Minas Gerais, Giovanna Mesquita, de Teófilo Otoni, Monique Calasãs, de Uberaba, Samira Baltazar, de Viçosa e Juliana Cavalcanti, de Conselheiro Lafaiete integram a Rep. De Minas, que é pouco popular, mas que não perde em espírito de república para nenhuma outra. “É uma questão de sorte a república, das pessoas com quem você vai morar”, diz Monique.
Bigorna é o nome da única república mista existente em Frutal. São duas meninas, Jôicy Franco Silva, de Indiaporã e Samara Fagundes da Silva, de Araxá, e um menino, Ramires Félix de Lima, de José Bonifácio, dividindo o mesmo teto, teto sustentado por uma grande amizade. “A ideia da república mista veio porque já tínhamos grande amizade, e nenhum de nós estávamos contentes com os lugares que morávamos” conta Jôicy.
A caçulinha das repúblicas frutalenses é a Rep. Kalymama, com três moradores e quatro meses de existência. A Kalymama surgiu quando Rodolfo Gorjon, de Bebedouro, José Humberto Carvalho Freitas e Eduardo Figueiredo Queiroz, ambos de Iturama, se juntaram. Eles saíram do condomínio onde moravam e buscaram um ambiente só deles. “As mudanças foram em relação ao espaço e a liberdade. Acho que isso já é bastante coisa, se for pensar”, enfatiza Rodolfo.
Seis mulheres e um cachorro. Assim é composta a Rep. Tcheca. Aline Roldão, de Itapagipe, Allana Magno e Jéssica Rodrigues, de Rio Preto, Larissa Dardani, de Santa Adélia, Natália Coquemala, de Nhandeara, Taciane Borges, de Passos e Tcheco, frutalense, o poodle que é o xodó das tchecas, apelido dado às meninas da casa.
Ao contrário do que muitos pensam, salvo algumas exceções, as repúblicas são organizadas, limpas e harmoniosas. Cada qual com suas peculiaridades e regras a serem seguidas.
A independente Tcheca
Amontoadas em um sofá de 3 lugares, cinco das seis integrantes da República Tcheca abriram as portas da casa para provar que “a Tcheca é uma casa de família”, como definiu Natália. A casa é ampla e cada uma tem seu quarto, seu espaço. Por um desses acasos do destino, as seis estavam à procura de um novo lugar pra morar quando se encontraram e fundaram a moradia. Seis mulheres (ainda sem o cachorro)? Tinha tudo para dar errado. Mas deu certo.
“Eu, sinceramente pensei que nunca fosse dar certo”, diz Aline, enquanto Taciane destaca um dos pontos positivos da casa, “às vezes você tá precisando de alguém, pode ter três fora, mas sempre vai ter uma das meninas aqui pra te ajudar”.
Todas são categóricas quando o assunto é o motivo principal para morar em república: o orçamento. Dividir as despesas de aluguel, água, energia elétrica, internet, etc., é muito melhor do que pagar todas essas contas sozinhas. Já a alimentação é uma despesa individual, cada uma é responsável pela sua alimentação. “A gente não tem que ficar preocupando com o que a outra vai comer” ressalta Jéssica. O fator pais também foi decisivo. Saber que as filhas terão com quem contar caso precisem de alguma coisa tranqüiliza os pais e mães das meninas.
Na Tcheca, pode tudo, menos o barulho excessivo. Desde que, todas saibam e concordem. Pode festa, churrascos, aniversários e reuniões de amigos. Na limpeza, cada integrante é responsável pelo seu quarto e os ambientes comuns são de todas. Se uma decide começar a limpar e a outra vê, logo todas estão limpando a casa juntas.
O fofo Tcheco é uma grande companhia. Segundo as meninas, tem dias que nenhuma delas quer brincar com ele, então ele faz bagunça, as necessidades na sala, rasga o lixo e leva frutinhas pra dentro de casa. Pronto: atenção conseguida. “Ele é encapetado” assume Allana.
O cão agitado segue as meninas o tempo todo, aonde uma vai ele vai atrás. “Esses dias eu fiquei sozinha, aí eu olhava pra ele, ele olhava pra mim. Eu e você, você e eu” conta Natália. “Quando ele tá limpinho é bem mais fácil das meninas darem moral pra ele” brinca Taciane. Mas mesmo com o banho atrasado o filhote embeleza e levanta o astral do ambiente.
Três em um
Eles já moravam juntos no condomínio Kalymam e dois já eram amigos antes da faculdade. Eis que surge a irmandade Kalymama. Um por todos e todos por um. O que é de um é de todos (com ressalvas, claro). “A gente vai ao mercado e não tem o meu requeijão e o requeijão dele, a gente compra tudo junto e come tudo junto”, explica Rodolfo. O método tem dado certo desde o começo da vida em república, em meados de agosto.
Tratando-se de três meninos que nunca precisaram fazer as atividades domésticas na casa dos pais, a organização da casa fica por conta da empregada. Cada um cuida das suas coisas da maneira que sabe, mas a cada quinze dias a casa passa por uma visita da faxineira que coloca tudo em seu devido lugar.
Um avisar o outro que vai sair é rotina. Eles sempre procuram deixar os outros a par do que está acontecendo em sua vida. Chamam pra sair juntos, pra ir a festas ou até mesmo pra ir até a padaria. “Aqui a gente chama um ao outro pra tudo pra ir pra qualquer lugar. A gente procura dar explicações”, diz Eduardo.
Por enquanto o trio vai continuar mantendo sua formação original, mesmo com a chegada dos calouros no ano que vem. De acordo com eles, as despesas são ideais e eles conseguem passar um mês bem, não há motivo para colocar outra pessoa apenas para diminuir os gastos. Um novo morador poderia influenciar o bom andamento da casa. “No começo do mês pagamos as contas e o dinheiro que sobra a gente faz a compra no supermercado. A casa fica cheia de comida.
Duas semanas depois, as coisas vão acabando e a gente termina o mês a pão e macarrão instantâneo”, diverte-se Rodolfo.
Apesar do pouco período de república eles assumem que sentem falta da casa quando estão em suas cidades natais. Um pouco se deve pela independência que têm quando estão em Frutal.
Aqui eles tem seus horários e rotinas próprios, além de poderem passar a tarde jogando vídeo-game juntos, por exemplo. Na Kalymama, sinceridade é tudo. Deixar tudo em pratos limpos é essencial para os três. Apenas as pequenas coisas são deixadas de lado. “Têm coisas que não precisam virar discussão, você deixa passar”, conta Eduardo.
Eles gostam da vida que levam e da forma como vivem. Deste período universitário vão levar coisas positivas para a vida toda, a amizade, tolerância e o respeito às diferenças. “O que vai ficar pra sempre é a convivência com as pessoas”, conclui José Humberto.
LIBERTAS QUÆ SERA TAMEN
Uma escada estreita e alta leva à arrumadíssima República de Minas. A casa já passou por diversas formações, foi até república mista. A escolha do nome surgiu porque todas as integrantes são mineiras e são meninas (ou minas, na gíria dos garotos). A formação atual? Quatro mulheres, um cachorro e um peixe.
Com três quartos e uma suíte, as meninas compartilham despesas e serviços domésticos. Na parede da cozinha há uma listinha dos afazeres do mês, e o sábado é dia oficial da faxina na Minas, “Cada uma é responsável pelo seu quarto e a gente divide o resto da casa” diz Giovanna. Há também a lista do lixo. Cada dia da semana uma é a encarregada de por o lixo para fora. A compra do mês é dividida entre as quatro e cada uma faz o que pode. Monique é a cozinheira oficial, ela faz todos os dias o almoço com a ajuda de Samira, já Giovanna e Juliana ficam responsáveis pela limpeza da louça.
O clima harmonioso é explícito. Uma discussão ou outra tem, mas no fim tudo volta à calmaria. Elas dão ao fato de terem se conhecido na república o mérito da boa rima da casa. “Amiga acha que tem o direito de entrar totalmente na sua vida” define Samira. E a saudade uma da outra existe nos períodos de férias. Para não perder o costume, elas mantêm sempre o contato.
São muitas preocupações na vida de um estudante: contas, estudos e relacionamentos. “Dia 10 é dia de pagar o aluguel e você não tá nem aí, o seu pai paga. Aqui é diferente”, é assim que Giovanna explica o resultado da responsabilidade que adquiriu quando passou a morar em república. Quando vão para a casa dos pais, são mais tolerantes, principalmente porque entendem como é que se trabalha a estrutura de um lar sem que um invada o espaço do outro.
Mesmo unidas, cada uma tem sua rotina diária e aos finais de semana e feriados, elas procuram sempre fazer as refeições juntas. “O companheirismo é muito. São poucas as repúblicas, creio eu, que vivem tão bem quanto nós, nunca tivemos nenhum problema, vivemos super bem” conclui Monique.
Meninos de pedigree
Que vira-lata que nada. Os seis integrantes da República Vira-Lata passam bem longe disso. São seis homens de família. A república existe há dois anos e sempre está de portas abertas para os amigos, por isso é uma das mais populares de Frutal, senão a mais. “Talvez a república é a mais conhecida porque fazemos mais festas que as outras” diz Samuel. “Às vezes, a gente acha ruim por ser tão conhecida, as pessoas param e já entram” explica Warley, defendendo a privacidade da casa.
Eles decidiram morar em república tanto pelas despesas quanto pela companhia. Ter alguém pra dividir os problemas e situações corriqueiras do dia-a-dia, vale muito para os meninos. Na área doméstica é Diná quem manda. A empregada estabelece a ordem na casa, e eles mantêm. Sujou, lavou. Assim funciona a organização interna da Vira-Lata. As refeições, em sua maioria, são feitas em restaurantes.
“A gente foi cortando o que dava problema. Por exemplo, limpeza, dividir o serviço dava problema, então vamos contratar alguém”, conta Samuel. Brigar? Nunca. De forma adulta eles procuram resolver os problemas da casa, e uma única vez foi preciso fazer uma reunião para tomar as decisões em conjunto.
O clima família também é transparente entre eles, um sempre avisa ao outro o que vai fazer. Tiago, Warley e Hugo estudam na mesma classe, e de acordo com Tiago sempre que Warley ou Hugo não acordam para ir à aula, ele bate na porta do quarto e pergunta se eles vão ou não para a faculdade. “Rola certa preocupação, claro”, diz.
Cada um tem seu quarto, e o que colaboraria para uma casa desprendida torna-os unidos, porém independentes. Cada qual com seus compromissos, mas sempre procurando o outro para saber se está tudo bem, se quer almoçar junto.
Os meninos da Vira-Lata são amigos da vizinhança toda. “As vizinhas contam com a gente como contam com qualquer outro vizinho”, fala Samuel. De bagunçada a casa não tem nada. Há sim, uma baderna ou outra dentro dos quartos, mas as áreas comuns da casa estão sempre em perfeita organização, “As pessoas sempre acham que república é bagunça. Acham que vai entrar na república e vai ver cueca jogada, comida. Que é festa 24 horas por dia, que ninguém pensa em estudar. Como se quem vivesse em república só quisesse saber de festa e sacanagem”, desabafa Tiago.
As famílias dos seis integrantes já visitaram a casa, para conhecer o ambiente e os outros moradores. “O pessoal é bem tranquilo aqui. Vai morar todo mundo longe de casa? Então vou morar com alguém legal, claro, pra não ter brigas”, conta Warley. Quando questionados se um tem reclamações do outros, a resposta é não. Para eles é importante falar sempre sobre a convivência. Seguem a lição de que, se você trata o seu colega de casa com educação, você pode tratar falar sobre qualquer assunto. Eles avaliam que cresceram como pessoas morando em república, aprenderam a lidar um com os defeitos do outro, não invadir o espaço, ser paciente e adulto. Quando entraram eram seis adolescentes. Hoje, são seis homens (ainda não formados, pelo menos até a colação de grau).
Sobre meninos e meninas
Um forte laço de amizade uniu um menino e duas meninas na República Bigorna. Das poucas casas onde menino e meninas vivem juntos e vivem bem. Jôicy, Samara e Ramires vieram para quebrar todas as ideias de que república mista não dá certo. Os três convivem muito bem, e até mais que muitas repúblicas tradicionais Frutal afora. De todas as repúblicas entrevistadas, são os únicos que associam a vida conjunta que têm com um casamento. “Todos temos os números uns dos outros e dos pais também. Se alguém demora pra chegar em casa, ou coisas do gênero, estamos sempre telefonando. Já tivemos casos de acompanhar em médicos e ficar no pé até para tomar os remédios e comer direito”, conta Jôicy.
Com quatro quartos, sendo dois suítes, que são ocupadas pelas meninas, o trio divide as despesas e o serviços domésticos. Há organização para tudo, pra tirar o lixo, lavar a louça e manter os cômodos da casa limpos. O quarto, como em todas as outras, é responsabilidade de cada um. E o sistema de revezamento das tarefas domésticas funciona.
O nome bigorna está relacionado com a dualidade dos sexos dos moradores. Uma bigorna tem duas pontas, e, “assim como a bigorna foi um objeto criado para agüentar os golpes do ferreiro, assim também, a rep. Bigorna foi criada para que juntos, eles suportassem os golpes da vida”, afirma Jôicy. Os três têm a casa não apenas como abrigo, mas como um legado a ser deixado para os futuros moradores, pra que todos que vierem a morar na casa suportem a difícil vida de universitário.
Respeito em primeiro lugar. Na bigorna pode tudo, desde que o tudo não invada o espaço do outro. “A pessoa pode fazer o que quiser, até onde couber apenas ao dono do quarto, ou seja, coisas que atrapalham a liberdade dos outros moradores não são aceitáveis, como colocar o som muito alto, ou ficar conversando com muita gente”, conta Ramires. Para ele, o único menino da casa, é muito importante respeitar a individualidade das meninas, principalmente. “Pelo menos nunca vamos brigar por futebol, ou por estarem todos com TPM” diz.
As famílias reagiram de maneiras distintas. Uns aceitaram rápido, outros relutaram para quebrar o preconceito de que homens e mulheres não podem ser amigos e dividirem uma casa. A mãe de Jôicy, Júlia Francisca Franco Silva, diz que é normal para ela saber que a filha mora com um menino. A filha tornou-se mais responsável e morar em república mista é uma oportunidade para aprender a lidar com personalidades diferentes. Já os pais de Ramires não reagiram bem a princípio, mas após constatarem que o filho, Samara e Jôicy não teriam problemas de entrosamento, aceitaram.
A experiência tem mostrado que meninos e meninas juntos dão certo. Dão muito certo. A Bigorna é um exemplo de que pessoas de sexos diferentes podem ser amigos e, por quê não?, morarem juntos. “Com relação à convivência, existe sim um maior equilíbrio do que nas republicas de um sexo só. É complicado explicar, mas a casa parece ter uma moderação de gostos, opiniões... É bem divertido”, completa Ramires.
Casa é casa
De fato, repúblicas são moradias que funcionam tão bem quanto qualquer casa de família. São casas com quartos, banheiros, salas, cozinhas, varandas, roupas pra lavar, almoços, festas, brigas e fidelidade.
Todos os estudantes que vivem em repúblicas em Frutal sofrem algum tipo de preconceito pela escolha. A reação das pessoas com a frase “eu moro em república” nem sempre é positiva, e esse tabu se dá principalmente pelas pessoas não conhecerem a fundo como vivem esses estudantes.
Leitores, querem saber a mais pura realidade? Eles vivem como todos nós.
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