Por Lausamar Humberto, Rafael Del Giudice Noronha e Priscila Minani
“Você é da igreja? Tem cara de gente da igreja, de crente.”
“Não, não sou da igreja.”
“Mas crê, não é? Todo mundo tem que crer em Deus.”
Foi assim o primeiro diálogo entre Alceu Silva Queiroz e o editor do 360. Marcada a entrevista, ele nos esperava na porta de sua casa vestido com uma calça de tecido leve, com uma cor pendendo para o bege, sapatão e camisa solta, para fora da calça. Cumprimentos e saudações, e somos encaminhados por ele ao fundo de sua casa. Alceu tem o andar suave e os passos curtos de quem já viveu muito. Chegado ao local da conversa, ele ajeita o sofá de maneira que fiquemos bem acomodados em um ângulo favorável: frente a frente. Assim se dará o desenrolar da prosa.
A política ainda domina seus pensamentos. Mal sentamos e já quer falar sobre a situação atual da política frutalense e as eleições do ano que vem. Informa que no dia anterior estava em uma reunião, mas que não nos diria com quem ou o que foi conversado. A opinião do ex-prefeito sobre a eleição e o que foi esta reunião “secreta” o leitor lerá no box em destaque.
O personagem
Alceu nasceu em Frutal, na Fazenda Cerradão, onde morou até “amadurecer e tomar conta do próprio nariz”. Terceiro dos 11 filhos de Francisco Batista Queiroz e Olívia Januária de Jesus, nascido no dia 11 de dezembro de 1926 - “novinho, né?”, ri o entrevistado. Com 85 anos, está totalmente lúcido e permanece muito bom de conversa, sempre entremeada por algumas anedotas.
Sua casa é grande e confortável. Mora nela há 30 anos, mas hoje mora “de bera”; considera que a casa é de seu filho. Mas antes de assentar neste endereço mudou 36 vezes. Quando comprou a casa era uma casa mais miudinha, estava novinha, cheirando a tinta. Custou caro, foi um negócio ruim e não melhorou com tempo. Mas a esposa já não aguentava tantas mudanças. Para acalmá-la, disse que a casa era dela. Passou uns dias, apareceu bom negócio; queria vender, mas a esposa não quis e não deixou: “você me deu a casa”.
Lida com as marcas do envelhecimento com graça. Mostra-nos que, apesar da idade, seu rosto não apresenta rugas, para o desespero e inveja das senhoras de 40 que não têm a mesma sorte. Só no pescoço, e para esconder é só manter a camisa abotoada. Já a coluna está toda enrugada, herança de um acidente de automóvel em São Francisco de Sales de há muitos anos. Dormiu, acordou com o carro “avoando”...”que dor”. As pessoas o tiraram de dentro do carro. No médico, nem radiografia tirou. Sarou com o tempo. Recentemente fez ressonância magnética. A marca do acidente tá lá, na coluna.
Da infância, tem boa lembrança. E reflete: “depois que a gente fica velho a gente tem lembranças de coisas ruins que você tem saudade. Não tem nada pior do que carrear com carro de boi. E eu tenho uma saudade doida. Aquilo tombava, milho caia no córrego e eu lembrando do véio bravo...o pai era uma onça”.
Do relacionamento com os irmãos, as dificuldades não são escondidas: “dizer que o relacionamento é cem por cento é mentira. A família tem gênio; ficam sem conversar; mas na hora do chega, do aperto, os irmãos tão aí...”
Primeiro passos na política
A política verdadeira, de urna, chegou tarde. Beirava os 35 anos quando foi candidato a primeira vez a vereador, em 1961. Neto de coronel, de título comprado, e com o pai integrante da UDN (União Democrática Nacional), esta iniciação foi inevitável. E entrou numa época onde quase ninguém tinha pretensões de ocupar um cargo de vereador. “Eu não queria, assim como nenhuma outra pessoa. Para arrumar um candidato a vereador tinha que ir uma turma para cercá-lo e não deixar fugir. Naquela época, vereador não recebia salário.
Mas quando te jogam numa eleição, você quer ganhar.” Como o povo vivia em dificuldade, nos meses da política era muita “pedição”. Não estava acostumado com aquilo e achou custoso.
Desse mandato não guarda as melhores recordações. “Vereador não apita nada”. Seu compadre tinha uma rádio, que começou a transmitir a reunião da Câmara. Muito falador, fazia um barulho danado. Ficou bem conhecido.
O que marcou essa legislatura foi a cassação do prefeito João Carlos Ribeiro. Helvico Queiroz, advogado em Frutal, sobrinho de Alceu, conta a conduta decisiva de seu tio nesta cassação: “No dia da votação, meu tio estava sentado do lado de um vereador que devia apoiar o prefeito. Ele ficou o tempo inteiro conversando com este vereador, para distraí-lo, e não deixar que ele votasse a favor do prefeito. Numa sessão tumultuada, Alceu conversava com o vereador, com a mão sobre a perna dele, não permitindo que levantasse. Na hora que percebeu que ia votar, conversou ainda mais e segurou firme a perna do vereador. Resultado, a votação aconteceu, este vereador não percebeu, e o prefeito foi cassado. Quando perguntei ao tio: _ mas e se ele levantasse? “_ Aí, eu tinha o revólver”, responde. Verdade ou só está contando vantagem? Só ele sabe”.
Cassado o prefeito, assume o vice. O vice era Celso Brito. Não gostava e não gosta do Celso de graça, por causa de partido político. “Não topo de maneira nenhuma. Não sou inimigo, mas politicamente somos água e óleo.”
Depois disso, ficou um bom tempo morando em São Paulo, e voltou. Aproximava-se a eleição de 76. Foi procurado para ser candidato a prefeito. A mulher concordou: tinha que vir pra cidade de qualquer jeito, para estudar os filhos.
O adversário, Osvaldo Batista de Mendonça, o Osvaldo do Cinquenta, era, segundo Alceu, “homem que olhava por cima, membro da maçonaria”. “Foi uma política braba (sic)”. Certo dia, cruza com o concorrente e o ouve dizer: “ _ Vocês acham que eu vou perder pra um homim (sic) desse?” Eleito, conta o episódio para Osvaldo: “você me ajudou a ganhar a eleição porque aí trabalhei mais...”.
O primeiro mandato (1977 a 1983)
O primeiro mandato de Alceu ficou marcado por algumas importantes obras. “E não tinha deputado pra me ajudar”, faz questão de lembrar. Uma das principais foi a construção da nova rodoviária.
A rodoviária antiga ficava no centro, onde hoje é o calçadão. Resolveu transferi-la para o Alto da Boa Vista. Para isso teve que fechar grandes esbarrancados, abrir a avenida Lauriston Souza, construir ponte. Deu uma briga danada. Um dos proprietários da chácara que ficava onde se ergueria a ponte encrencou. Os trabalhadores da prefeitura colocavam estacas e ele ia e arrancava. Foi quando Alceu fez uma proposta “meio boba” para ele. Que proposta foi esta, só Deus sabe. Mas o sujeito não arrancou mais nenhuma estaca.
Havia suspeita de que a escritura era forjada. Alceu falou com o juiz: “_ Já tô com a rodoviária pronta, a rua pronta. Como é que eu faço?”. Segundo Alceu, o juiz deu a seguinte resposta:” _ Numa noite, vai com o maquinário e derrube cercas, mangueiras, pés de laranjas.” Um dia de carnaval, o povo lá dançando e as máquinas derrubando tudo. E a ponte foi feita.
Queria construir o posto de saúde municipal Sandoval Henrique de Sá. No terreno morava um policial aposentado, bravo. Disse que não saia. Alceu avisou que precisava da casa, que era da prefeitura e que “ele ia topar um mais bravo - disse assim, vai que dava certo, Alceu ri - vai é sair mesmo”. Saiu, e recebeu um terreno para construir uma nova casa com os materiais da antiga.
Para a construção da rodoviária, retirou pessoas que moravam na área e deslocou para o que seria a Vila Esperança. Foi muito criticado por isso. O novo bairro não tinha estrutura. Os opositores diziam que estava criando uma Vila dos Pobres.
“Vila dos cachorros, quando queriam me atingir, diziam Vila dos cachorros. Mas este apelido tem explicação. Um camarada de Votuporanga arrumou alguém e invadiu lá, fez um cômodo de laje, piso de cimento, para colocar coisas de matar vaca. Quando o cômodo foi derrubado ficou uma fedentina só. Quando levava gente pra ver onde seriam os terrenos, estava cheio de cachorros atraídos pelo fedor dos restos de vacas”.
Não concorda com as críticas que recebeu por fazer este novo bairro, que segregaria os mais pobres. “A vida anda dessa maneira. Você abre um loteamento, dá de graça (sic), eles vão construindo, vai chegando quem tem um tutuzinho, compra e faz uma casinha melhor. Quem vendeu constrói outro cômodo, compra uns móveis. O dinheiro vai girando. Hoje, lá é uma cidadezinha...”
Segundo mandato (1989 a 1992)
No segundo mandato, fez mais de 300 casas, tapou ainda muito esbarrancado, abriu a avenida JK e construiu uma nova sede para a prefeitura. “Tem muita coisa que se faz e não aparece.
Fiz muita rede de esgoto. Cuidei dos vilarejos, levando água, luz, esgoto, posto de saúde.
Passou ao sucessor 72 veículos. No último mês de seu mandato colocou anúncio no rádio dizendo que quem tivesse algo pra receber da prefeitura que procurasse. Esta era uma marca de seu governo. O empresário Adalberto Queiroz confirma: “O Alceu, na frente da prefeitura, sempre pagou em dia”. “Pagava um dia antes e não depois”, finaliza Alceu.
A eleição de 92 seria histórica em Frutal. Havia uma chapa que prometia mudança, renovação, encabeçada pelo jovem arquiteto Toninho Heitor e o médico Zanto, muito popular.
O mote principal desta campanha era o lema “Nem Celso, nem Alceu”. Alceu diz que esta frase não incomodava, mas a expressão “tô nem aí” dita como “tonin aí”, essa o deixava injuriado.
Mas sabe que é do jogo. Também teve um jingle grudento: “E pra prefeito de Frutal, Alceu Queiroz, Alceu Queiroz, Alceu Queiroz,...”. Um adversário reclamou: “por que não para com essa música? Já tá incomodando.”, e Alceu: “é pra encher o saco mesmo”.
Com seu nome martelado pelos alto-falantes dos carros, a filhinha de um eleitor quis conhecê-lo. Sabendo disso, assim que venceu a eleição, foi conhecer a garotinha. Ela olhou pra cima, ficou caladinha, despediu e foi embora. No outro dia, o pai o encontrou e contou que a menina disse, assim que Alceu saiu: “pai, mas ele é feio, hein!”
Acha que poderia ter feito mais no fim do segundo mandato. “Sinceramente, pensei que meu candidato ia ganhar e queria deixar o caixa organizado para ele. Devia ter feito mais coisas, gastado toda a verba. Deixei pro Toninho e qualquer buraco que ele tapava, colocava: aqui vai o dinheiro do povo. Falando isso, queria dizer então que eu tinha roubado?”
Diz que Toninho já o procurou e reconheceu que errou, que não podia ter feito o que fez. Perdoou? Sim - mas não esqueceu, continua na cabeça. “Quanto mais velho, mais guarda”.
A informalidade para resolver questões sempre foi uma característica do político Alceu Queiroz. Resolvia muitas coisas no papel de pão, no guardanapo, enquanto conversava com alguém em um boteco. Tem a fama de ser rude, pavio curto. Não concorda com ela. Diz que sempre foi sincero. Certo dia, Mauro Menezes, importante líder comunitário já falecido, disse ao Helvico, sobrinho de Alceu: “Gosto do Alceu porque ele não tem palavra”, Helvico ficou sem entender; aquilo era o oposto do que se espera, que as pessoas gostem de quem tem palavra. Mauro explicou: “Faço um pedido para o Alceu. Hoje ele diz que não, de jeito nenhum, que não há hipótese. Amanhã ele já diz sim, que se ajeita.”
Agiu com força uma única vez. “Um vagabundo veio me questionar, já de plano feito, para me tirar do sério e mostrar para a imprensa. Nesse dia, o coloquei pra fora do gabinete, empurrando-o com a cadeira. Mas ele merecia.” Não acha que tem pavio curto. Sempre entendeu os pedidos. Quando alguém o procurava era porque precisava. “Quando é candidato promete tudo. Depois, tem que atender”
Reconhece que teve grandes ajudas nestes seus dois mandatos. Cita o nome de alguns funcionários que foram muito importantes para o seu trabalho: Izídio, Chiquinho Mata, Chico Queiroz. No segundo mandato destaca o trabalho de seu filho, Gilsen Queiroz. “Ele é trabalhador demais. Andava toda a cidade, sabia o que estava acontecendo. E sempre pegou no pesado, não tem moleza com ele, não.”
Família e rotina
Alceu é viúvo da Dona Sebastiana Maria Queiroz. Teve oito filhos, sendo três de um relacionamento anterior. Três filhos já faleceram: Alceuzinho, Elder e Alcimar. São quatorze netos e uma bisneta.
Não concorda que vô gosta mais do neto do que do filho. ”Quero bem meus netos demais da conta, mas gosto mais ainda dos filhos que me deram os netos”. Não fica alisando, comprando balinhas, não é avô babão...
Depois de trabalhar duro a vida toda, a experiência lhe permite o descanso. Alceu gosta de ver tevê, adora assistir novelas. E o futebol? Não é dos programas favoritos, mas ainda assim, assiste. Não gostava muito de futebol, mas de uns tempos pra cá vem gostando. O filho que mora com ele e os netos são Palmeiras, mas “aquele Palmeiras perde demais, não dá pra torcer”. Gosta do Santos, acha o Neymar “engraçadim (sic), um molecão, e joga demais”.
O apreço pela música é bem definido: “gosto de música bonita”. O ritmo sertanejo é o preferido, com Tião Carreiro e Pardinho e Gino e Geno sendo as duplas citadas.
Alceu é um senhor com pouco estudo. Completou o grupo, mas não concluiu o ginásio, como era nomeada a escolaridade da época. Mas a vivência política lhe deu destreza de idéias. Dono de uma risada gostosa e de um gênio decidido, define como deve ser um bom político: “tem que ser humano”.
Mas Alceu não foi sempre um tocador de obras e pouco voltado para o social? Samuel de Souza e Silva, 78 anos, que quase sempre esteve em campo político oposto ao de Alceu, não concorda com este julgamento: “ele tinha noção que seu trabalho ia atingir todas as pessoas. Havia uma preocupação social, já que ele queria que a cidade crescesse”
Alceu diz não ter um ídolo político. Mas, quando dizem que foi o melhor prefeito de Frutal, recusa o elogio e aponta uma admiração: “Dr. Sandoval Henrique de Sá foi o melhor prefeito que Frutal já teve.” Detesta os políticos pára-quedistas. “Eles vem aqui apenas roubar os votos. Não tem compromissos nenhum com a cidade”. Torce para que Narcio e Zé Maia continuem como deputados por muito tempo: “eles mudaram nossa região”.
O legado
A vida de Alceu Queiroz é cheia de histórias, ora engraçadas, ora polêmicas, mas sobre sua passagem pelo gabinete o resumo é feito pelo próprio: “No primeiro mandato, peguei um diamante bruto que não consegui lapidar. No segundo, acredito, a tarefa foi concluída. Hoje não quero mais política, não pra mim, mas o envolvimento é inegável.” Político nato, ainda mexe os seus pauzinhos. Opina sobre questões que envolvam a cidade e, claro, sua opinião vale muito.
Bem, mas você deve estar se perguntando: e a conversa inicial do texto, o que tem a ver? Simples, além de crer em Deus, Alceu foi um homem que acreditou em Frutal, acreditou que a posição da cidade no Triângulo Mineiro e tão próxima ao estado de São Paulo, seria e ainda é, algo que deve ser explorado com grande potencial de desenvolvimento. E quando teve oportunidade de comandar a cidade por duas vezes fez o que julgava necessário para que esse desenvolvimento acontecesse. Impossível deixar passar a observação de que a Frutal de hoje tem muito de Alceu.
A prefeita Ciça reconhece: “Alceu será lembrado como um prefeito dinâmico, empreendedor e comprometido com o desenvolvimento”.
Eleições 2012
Alceu: “vou trabalhar para que o Mauri seja prefeito de Frutal”
Foi começar a entrevista e Alceu já quis falar sobre a eleição. Em sua opinião, o quadro ainda está muito indefinido, “tem muito pré-candidato”.
Instado a opinar sobre alguns destes pré-candidatos não se vez de rogado: “Toninho Heitor já deu o que tinha que dar. O Ésio não serve para Frutal. A candidatura do Lino não é pra se levar a sério. O Romero Brito é boa pessoa, não vejo nada de ruim, acho que até vai ser candidato, mas não a prefeito.”
Alceu já fez sua escolha. E seu candidato é o empresário Mauri Alves, proprietário da Coragro. A chapa dos seus sonhos é Mauri e Romero. A “reunião secreta” citada no corpo da reportagem foi com a prefeita Ciça, justamente para tratar dessa possível dobradinha. O 360 apenas juntou as pontas para chegar a esta conclusão. Após entrevistar Alceu, estivemos com a prefeita Ciça no dia seguinte. Sem saber o que Alceu havia dito, nos informou que havia estado com ele por um longo tempo. Foi só somar 2+2.
Os grupos de Narcio e Ciça estarão juntos nesta eleição, é o que aposta Alceu. E ele acredita que o nome que encabeçará esta chapa será o de Mauri. Mas, afinal, por que esta escolha?
“Vi o Mauri chegando aqui menino, montando a loja ali no Posto do Paulo. Cresceu, está muito bem de vida. É sério, é preparado. Dos pré-candidatos, ele dá de 10 a 1. Não digo de 10 a 0 pra não humilhar.”
Alceu está confiante: “Essa política está fácil. Temos que fazer as coisas com calma. E estou trabalhando nos bastidores como se fosse minha candidatura. Acho que vai dar tudo certo.”
São cinqüenta anos de eleições. É bom prestar atenção no que diz o “velhinho”.
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