Samuel de Souza e Silva - as serestas são eternas

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Por Nathalia Kuramoto

Um simpático senhor abre as portas de sua casa. Entramos. Pela sala de jantar, uma bela e enorme mesa até chegar à sala, também grande. Não maior que a trajetória de vida do nosso entrevistado, mas que mostra um pouco de sua história através da decoração. Vinis, fitas, cds, muitos livros organizados em uma estante que ocupa toda a parede. Um piano da filha e, logo acima, o primeiro violão de seu Samuel. Hoje sem cordas, ocupando mais a função de relíquia, o violão que lhe rendeu o apelido de "Seré". Mas essa história é longa para um parágrafo só. Vamos por partes.

Nascido aqui mesmo em Frutal, em 25 de abril de 1934, Samuel de Souza e Silva é filho de Luiza Pereira de Souza e José de Souza e Silva, o Juquinha Ganha-Pouco, apelido herdado da loja de tecidos "Casa Ganha Pouco". Seu Samuel conta um fato de como o negócio do pai influenciou sua vida: "Conheci todos os bebuns da época. Estavam sempre no armazém, que vendia bebidas. Tinha muita cantoria. Foi nesse armazém e pela origem da família de minha mãe que comecei a pegar gosto pela música”.

Quarto filho de Luiza e Juquinha, seu Samuel fez o primário em Frutal. Aos 11 anos de idade, foi terminar os estudos em Campinas. Formou-se técnico em contabilidade. Durante esse tempo, ficou em um internato. "Foi difícil. Passava bom tempo sem notícias de casa. Para chegar uma carta, era complicado e os correios não funcionavam bem", relembra. Mas a ida para uma cidade maior foi positiva: "Tive ótimos professores, severos. Lá meu gosto pela leitura foi muito estimulado".

Aos 18, Samuel voltou para sua terra natal e começou a trabalhar como contador, no escritório de seu  irmão. Logo depois, começa a trabalhar naquela que era a maior empresa de laticínios da região, a Malibu: "Quando comecei, a Malibu era apenas em Frutal. Depois, tivemos muitas filiais. Pirajuba, Itapagipe e em muitas outras cidades. Até chegar a época em que distribuíamos até em São Paulo, que se tornou nosso maior mercado. Vendíamos também, através de representantes, no Nordeste, Rio de Janeiro e Santos. Fabricávamos manteiga, queijo e principalmente leite pasteurizado de caixinha", conta.

A Malibu era um negócio de família, fundada em 1949 pelo pai e os tios de Samuel. Na segunda geração,  Samuel estará a frente da empresa. Hoje, a Malibu perdeu sua força, está nas mãos de outros donos e inclusive já esteve fechada. Foram tempos difíceis: "A situação financeira ficou bem difícil, para todos. Alguns se recuperaram, outros não. Com a inflação gerada no mandato do Sarney, o dinheiro de um dia não valia mais nada no outro. Não havia empresa que aguentasse", relembra o antigo administrador, que por alguns desentendimentos internos, deixou a empresa.

João Batista Correa, que trabalhou com Samuel na Malibu, vê nele um amigo: "Ele não era um patrão, era amigo. Sempre teve muito prazer, paciência e facilidade pra ensinar", afirma. Segundo João Batista, Samuel sempre foi muito determinado e vivia com um sorriso no rosto. Acompanhava todos os passos da empresa, estava sempre presente: "Sei da maneira correta e ética que Samuel age. Foi uma queda de braço muito forte. Imagino o quão difícil foi quando a empresa fechou".

Paralelo ao trabalho com laticínios, em 1966, Samuel se candidata a vereador e é eleito com uma votação consagradora, que correspondia a 12% do eleitorado da época. "Comecei a me relacionar com todos os políticos pra saber o que podia ser feito para o bem comum. Nunca recebi um tostão do Estado ou da prefeitura para nada e fui presidente da câmara durante os quatro anos. Atualmente, vereador é remunerado. As coisas mudaram, talvez haja realmente necessidade", conta. Depois dos quatro anos de mandato, Samuel teve de sair da política para se dedicar só à empresa. Mas retornou. Em 1976, foi candidato a vice-prefeito na chapa encabeçada por Zezito Miziara. Não chegaram à vitória.


Paixões: a música, a literatura e a família

Quando jovem, Samuel vivia fazendo serenatas pela cidade. Sempre adorou cantar. Daí o apelido de Seré, do começo do texto. José Neto conta sobre a paixão do pai: "Ele sempre gostou de música. Sempre apoiou todos os nossos amigos que tocavam, os festivais de música da cidade, tudo que tivesse música já alegrava meu pai". Apesar de nunca chegar a explorar o ramo, a música sempre esteve presente em sua vida e Samuel relembra com carinho quando foi homenageado no Festival de Inverno de Frutal, organizado pela Ordem DeMolay. Seu cantor preferido? Francisco Alves, o rei da voz. A música atual seu Samuel prefere passar. Não é desmerecer, mas as canções tradicionais fazem mais o seu estilo.

Além da música, a literatura sempre fascinou Seré. Ele exibe com muito carinho sua coleção dos clássicos autores como Jorge Amado, Machado de Assis e Monteiro Lobato. E na sua biblioteca particular também tem espaço para as enciclopédias. Juntas, elas ocupam um considerável lugar na estante que, por si só, transparece muito da história de Samuel. Dentre as paixões pelos livros, cds, vinis e violões expostos, não poderia faltar  a maior delas: sua esposa. A foto do casamento que gerou quatro filhos - Ana Beatriz, Maria Luiza, Ana Maria e José Neto - , 11 netos e um bisneto tem um lugar especial na estante.

E o namoro começou exatamente no dia dos namorados. Quando foi estudar, a distância tentou complicar, mas as cartas mantinham o amor entre seu Samuel e dona Eugênia, a Dona Geninha. Em 21 de abril de 1957, o casamento que perdura até hoje. São 56 anos dividindo alegrias, tristezas, conquistas e, em toda sexta-feira, muita conversa e música.

Zé Neto, o único filho homem de Samuel, conta das reuniões no final da semana. A “Sexta Super” acontece na casa do pai, onde o violão, a cerveja e a conversa rolam soltos.

Manuel Musa, da mesma faixa etária de Zé Neto, lembra-se de quando frequentava a casa de Samuel: "desde que me dou por gente, o conheço. Ele sempre quis ter todo mundo reunido. A casa estava sempre cheia. Ele foi um segundo pai pra mim. Lembro-me que tínhamos altas discussões políticas. Essa é uma faceta incrível de Samuel. Todo mundo debatia o assunto, mas era um debate muito saudável. Sempre foi muito fiel aos seus princípios", afirma.


Caminhar é preciso

Seu Samuel sempre reserva um tempinho para as caminhadas diárias. Dono de uma saúde e disposição de causar inveja em muitos marmanjos, ele se orgulha de praticar exercícios há 35 anos. Mesmo com um início forçado por diabetes, seu Samuel nunca mais parou as atividades. Quem deu tréguas foi a doença. Controlada sem o auxilio de remédios: "de lá pra cá, nunca mais comi doce, nem arroz. Sou meio radical pra isso. Se não pode, não pode", conta a história dos exercícios entre algumas risadas.

Aposentado, o contador, seresteiro, amante da leitura e atleta de quase 80 anos, tem voz mansa, calma, mas que não deixa de ser firme. É certo do que diz. Passa a segurança de uma pessoa que a vida toda procurou se informar. Sua inteligência e cultura são logo percebidas. É sentar e escutar. É dessas raras pessoas que são praticamente uma unanimidade e que sempre despertam admiração quando são citadas. Um homem que marcou tantas pessoas diretamente, mas que também marca uma cidade pelo exemplo. Assim como as serenatas sempre terão espaço no coração dos apaixonados, Seu Samuel também se eterniza na história de Frutal.