Por Mariana Nogueira
Adalberto Queiroz é uma figura um pouco mítica em Frutal. Há décadas é um dos maiores empresários da cidade. Seu poder econômico é conhecido. Já na política, é homem de bastidor (com duas exceções, mais adiante esclarecidas). Mas, mesmo discreta, na sombra, sua atuação é sempre importante. Homem reservado, raríssimas vezes deu alguma entrevista. E sempre que o fez, foi sobre questões pontuais. Fazer um perfil deste empresário, o que requer uma longa entrevista em profundidade, exigiu negociações. De início, não queria falar. “As pessoas não precisam saber da minha vida”. Vencida a resistência inicial, era chegada a hora do encontro.
Já passava das 17h quando Adalberto abriu as portas do seu escritório para me conceder a entrevista. Seria a única oportunidade que eu teria de entrevistá-lo e, assim, tentar captar com as palavras que ele diria um pouco de sua vida, de sua essência e de sua alma. É isto que busca um perfil jornalístico. Temia que a conversa durasse no máximo vinte, trinta minutos. Aí o trabalho estaria perdido. O perfil não sairia. Ficamos exatos 119 minutos conversando sobre quem é este senhor de meia idade e modo um tanto rústico.
Essa não foi a primeira vez que o entrevistei. Houve um encontro passado em que o assunto era o surgimento dos leilões de gado em Frutal. Como Adalberto já me conhecia, isto me deu alguns créditos na hora de fazer perguntas que, provavelmente, nunca haviam sido dirigidas a ele.
Quem é Adalberto Queiroz?
Questionar uma pessoa sobre quem ela é não é tarefa fácil de ser feita. Nem todas as pessoas sabem se definir. Pergunta feita. Dada a largada para a construção desse perfil. Família é a palavra que define Adalberto José de Queiroz, 64 anos, empresário do setor agropecuário, natural e residente em Frutal. Nunca pensou em se mudar. Frutal o recebeu no mundo e aqui permanecerá.
Quando nasceu, tinha duas irmãs, a mais nova com 20 anos. “Eu fui sozinho na vida”, ele diz. Aos 10 anos de idade, foi levado para o Colégio Diocesano em Uberaba. “Minha mãe tinha na cabeça que eu devia estudar”. Adalberto era o mais novo do colégio Diocesano e “era menorzinho e só apanhava”. No ano seguinte mudou para o Cristo Rei.
Com quatorze anos, abandonou os estudos e decidiu trabalhar. Foi com dezesseis anos que descobriu que podia ser emancipado. Explicou aos pais que já podia ser independente, levou-os até o cartório e assim fez. Com 16 anos adquiriu legalmente a responsabilidade de adulto. O pai depositava muita confiança em Adalberto, “mas em troca de resultados”. Na mesma época, ganhou uma camionete do pai, para usar no trabalho. Não podia dirigir na cidade, pois não tinha habilitação, só dirigia no campo. “Eu chegava na cidade e o guardinha da guarda mirim estava me esperando, então eu pedia para alguém me trazer até dentro da cidade e depois ligava para me buscar” explica, fazendo gestos imitando os telefones antigos à manivela.
Com 20 anos Adalberto se tornou vereador de Frutal. Na época o cargo não era remunerado, era um serviço público oferecido a cidade. Um “serviço prestado”, como ele diz. Aos 21 assumiu a presidência do Sindicato Rural de Frutal. Era jovem, e assumiu estas responsabilidades porque queria uma Frutal melhor.
Adalberto brinca com um lápis amarelo, já pequeno devido ao uso, enquanto fala da sua vida e da sua personalidade. Pesquisando a vida de Adalberto para esta entrevista e tendo este segundo contato desta vez, mais demorado, um julgamento, talvez apressado, pode ser feito: o empresário, que aos olhos de muitos parece ser uma pessoa rude, é um homem de hábitos simples e de uma inteligência privilegiada, que aprendeu com a vida a lidar com o mundo. “Não vivemos para poder dar satisfação ao próximo. Não vivo com esse objetivo, meu objetivo é transparência, caráter, responsabilidade. Ser verdadeiro”. Ele ainda se gaba da sua alma jovem: “A maior virtude do ser humano é a juventude. Eu me considero jovem”.
Família
Ao falar do pai, Adalberto interrompe a entrevista e fica com os olhos marejados. Nesse momento, aponta para um quadro, na verdade uma foto. Nela há um carro de boi, algumas pessoas e um menino em um cavalo. O menino do cavalo é o pai de Adalberto. Nesse momento, a entrevista é interrompida por uns minutos de silêncio.
Adalberto casou-se com Maria Aparecida Queiroz, a Cidinha, filha de um primo primeiro dele, e juntos tiveram cinco filhos. “Éramos dois, tivemos cinco filhos, passamos a ser sete, vieram as noras e os genros, passamos a ser doze, tenho seis netos, e em breve seremos 19, tem um netinho a caminho”, brinca.
O maior orgulho de Adalberto é a sua família, ele diz isso com gosto. Está satisfeito com o caminho que os filhos estão seguindo. “Ensinei-os que a família vem em primeiro lugar e depois o trabalho”. Hoje, os três filhos homens de Adalberto trabalham junto com ele no Grupo Queiroz de Queiroz. Dois – Neto e Rafael – cursaram agronomia na Universidade de São Paulo (USP) e Thiago na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). “Eu nunca soube o que era agronomia, eu sabia comprar boi e vender boi” até que o filho mais velho entrou para a faculdade de agronomia. Adalberto falou pra o filho “vai se especializar em pastagens, então”, graceja.
As filhas: uma veterinária e empresária – Maria Graziela – e a outra, psicóloga – Polliana. Também do ramo, Graziela ajuda o pai com a produção de leite nas fazendas. Polliana exerce a profissão em São José do Rio Preto – SP. Nos finais de semana, todos os filhos e netos se reúnem para as refeições. “A grande vitória do pai é assistir a vitória dos filhos”. Para a esposa, Adalberto é só elogios: “minha maior conselheira é a minha mulher”.
No dia da entrevista, Adalberto estava radiante porque tinha acabado de saber que o neto estava aprovado na faculdade para cursar Agronomia. Para ele é uma prova de que o sangue dos antepassados está passando de geração em geração, “você não cria os filhos pra viver os sonhos seus. Mas em alguma coisa dos sonhos deles vai ter algo de você”, filosofa.
“O melhor lugar do mundo é a minha casa”, diz Adalberto de maneira firme. O empresário, que viaja no máximo 200 km para chegar à sua propriedade rural mais distante, afirma que não dorme fora de casa. “Chego 2h da manhã, mas eu durmo na minha casa”. Questionado sobre os problemas que um grande empresário encara diariamente, lacônico, ele explica que problemas ficam do lado de fora. “Tem uma árvore na porta da minha casa em que eu penduro as minhas dificuldades lá: não levo questões de trabalho para dentro da minha casa”.
Política
“Graças a Deus eu saí da política” fala, com certa dureza na voz enquanto organiza sistematicamente as canetas em cima da mesa. Adalberto comenta seu mandato como vereador: “foi muito bom ser vereador. Tive oportunidade de estar em lugares que eu não poderia ter estado se não fosse a política. Não me arrependo”. No fim do mandato, ele disse ao pai “pra ganhar dinheiro, eu vou trabalhar pra mim”.
Em 1996, Adalberto chegou a ser candidato à prefeitura. Por apenas quinze dias. “A maçonaria fez um movimento para lançar um candidato à deputado estadual. Eram candidatos de toda a região. Foi feita uma pesquisa e o Zanto ganhou a preferência das pessoas. O candidato deveria se comprometer a fazer o melhor pela região. O Zanto se elegeu e recebeu o apoio de toda a maçonaria”, explica. Mas Zanto voltou à Frutal dois anos depois, para concorrer às eleições municipais. Adalberto pensou então que se candidatando à prefeitura, poderia impedir Zanto de abandonar o seu mandato como deputado.
Tendo José Roberto Araújo, chefe da Receita Federal na época, como vice, levou a candidatura adiante. Acontece que o vice não poderia ser candidato e Adalberto precisava de um novo vice. Entre idas e vindas, a pressão política foi aumentando, já que os partidos que demonstravam apoio queriam outras colocações além da vice-prefeitura. “Eu não sou homem de me tornar dependente. Eu estava tentando ser prefeito por dois pontos: pra manter o Zanto deputado e para prestar um serviço á minha cidade. Eu não suportei a pressão”, Adalberto esclarece e completa “Política é arte da traição, do encontro e desencontro”.
Não é segredo para nenhum frutalense que Adalberto esteve ao lado de Mauri Alves, atual prefeito de Frutal, na campanha no ano passado. “Não devemos ser alheios à política” aconselha. Todavia isso não dá a ele a liberdade de “frequentar” o mandato de Mauri. “Se ele fizer algo que eu acho errado, eu vou chegar nele e falar. Se não, vou ficar com consciência tranquila porque ele está fazendo o trabalho dele”.
Outras figuras políticas fazem parte da vida de Adalberto. Os mais próximos: o deputado federal Nárcio Rodrigues e o deputado estadual Zé Maia. “Sou muito amigo do Nárcio, eu acredito nele e ele acredita em mim. Ele é uma pessoa de lealdade a toda prova”, diz e emenda: “sou amigo do Zé Maia também, outra pessoa que eu acredito ter feito um grande serviço para a nossa região, nos representando na assembleia”.
A palavra poder no mundo de Adalberto é um estado, uma condição. Ninguém é poder, as pessoas possuem certo poder em determinada parte da vida, como os políticos. No pensamento dele, muitos se encantam com o poder, com o “estar por cima” e se esquecem de que isso, “estar no poder”, é passageiro. Quem vê o empresário não imagina o quanto de poder ele tem. Adalberto não é deslumbrado. “ Eu consegui construir alguma coisa na vida porque a vida foi generosa comigo, mas eu respondi com trabalho”.
Quando o assunto é o Campus da Universidade do Estado de Minas Gerais, construído em um terreno doado por Adalberto, o chavão de “Dono da UEMG” não o agrada, ele franze a testa e é contundente: “cada pessoa vê as coisas do jeito que quer ver. A UEMG é uma contribuição à cidade. Eu acredito que uma cidade, estado e país só se desenvolvem por causa da educação”. O empresário acredita que as pessoas enxergam as coisas com olhos de malícia: “eu sou dono dos terrenos até chegar ao campus. No campus eu não tenho interferência”.
Fiel apoiador da educação, Adalberto descreve a sua amizade de vida inteira com o diretor do Campus Frutal da UEMG, Ronaldo Wilson. “É uma amizade muito maior do que as pessoas conseguem enxergar”. Ele ainda conta que foi um dos responsáveis pela formação do amigo: “quando eu era presidente do Sindicato Rural, ele era cobrador no sindicato. Eu falei pra ele estudar, concluir o ensino médio e cursar a faculdade”, conta orgulhoso.
Quando questionado sobre os políticos que governaram Frutal recentemente, um breve silêncio toma conta do escritório – provavelmente, Adalberto está avaliando em sua cabeça as palavras que deve usar – e balançando na cadeira, ele resume o que pensa sobre Toninho Heitor, Zanto e Maria Cecília em poucas palavras.
“O primeiro mandato do Toninho, eu acho que ele foi um imperador. No segundo mandato, ele foi uma decepção; queria comandar sozinho. Ele é uma pessoa excepcional, mas acho que não como administrador”, diz sobre Toninho, que foi arquiteto de sua casa e de seu escritório. Zanto para ele é uma “incógnita de vida”. Adalberto crê que, como médico, Zanto é excelente, mas na política “ele não se saiu tão bem”. Já Ciça é classificada como uma “pessoa de bem”, pela forma como ela administra de maneira segura os gastos e pelo jeito de lidar com as pessoas. Adalberto finaliza dizendo que Frutal precisava de uma pessoa mais “desenvolvimentista”, com uma visão mais ampla, e Mauri representa para o empresário tudo isso. “Ele é mais ousado, é uma pessoa com visão de futuro”.
Vida rural
As botinas sujas de terra confirmam o ofício. Adalberto é um homem campestre, que vive entre bois e pastagens. “Quando meu pai morreu, eu tive que assumir tudo, não tinha ninguém na família com habilidades no serviço do campo, então eu passei a desempenhar o papel do meu pai”. Assim ele se mantém firme na sua lida, entre criação de gado de corte, confinamentos, gado leiteiro e serviço braçal.
Priorizar a família fez com que Adalberto trouxesse os filhos para perto logo que se formaram. Isso explica porque o pecuarista entrou para o ramo das usinas de açúcar, etanol e energia. Empresários de Pitangueiras – SP queriam montar uma usina na Boa Esperança, região rural de Frutal. Adalberto foi categórico e disse: “nós podemos montar a usina juntos”. Assim nasceu a Usina Cerradão. “Eu percebi que essa era a oportunidade de os meus filhos ficarem aqui”. Na época, a repercussão da construção da usina foi grande no setor rural. A empresa está sob o comando dos filhos. Adalberto prefere nem se intrometer. “Eu vou lá, dou uma volta, cumprimento o pessoal e só. Meu negócio é boi, mas fico feliz com o desenvolvimento que a usina está trazendo”.
A rotina de Adalberto é dura. Ele acorda as 5:15 da manhã todos os dias, e às 6h já está reunido no escritório com os três filhos. Ele vai todos os dias para uma de suas fazendas – são várias, a quantidade delas ele não revelou. Só tive acesso a um mapa que demarcava as suas terras e posso dizer que são muitas –, “Gosto de fazer o que faço, porque eu faço o que gosto”. Adalberto enche a boca para falar que trabalha e vive da vida rural. E se o olho do dono é que engorda o boi, ele se faz presente em todas as fazendas que tem: “eu coloco a mão na massa”.
Para dar conta de todos os empreendimentos, Adalberto carrega três celulares. “Às vezes, um não tem sinal, mas o outro tem”, se defende. O gosto pelos bovinos é bem presente na vida e no ambiente de trabalho de Adalberto. Em seu escritório, algumas miniaturas de bois talhadas em madeira fazem parte da decoração, bem como um quadro, também de madeira, que representa um boiadeiro tocando o gado. Embaixo do quadro, um aparador com fotos da família.
Ser bem sucedido nos negócios do campo é resultado da força de vontade e presença constante nos negócios. E o maior resultado não é apenas financeiro, mas a satisfação pessoal. “Me orgulho em saber que estou melhorando a qualidade de vida das pessoas que vivem no campo, abrindo estradas, construindo pontes” explica, lembrando-se da juventude no campo e das dificuldades de ir e vir nos caminhos sem manutenção.
Além disso, ser um grande empresário faz com que Adalberto empregue muitas pessoas, algumas vindas de outros lugares, como da Bahia, “eu gosto muito do povo baiano, devo muito do meu serviço a eles”. Ele conta que, com o trabalho, consegue oferecer a essas pessoas que vêm de fora para trabalhar em suas fazendas, por exemplo, alfabetização. Além dos trabalhadores da usina: “posso te apresentar muitas pessoas com cargos relevantes que chegaram aqui sem nada e agora tem casa, um carro na garagem, filhos na escola”. Oferecer dignidade aos seus colaboradores é algo que “não tem preço” nas palavras de Adalberto.
Para o futuro? Adalberto quer continuar levando a vida da maneira que leva. Com um detalhe: Ele espera que Frutal, daqui a dez anos, tenha 100 mil habitantes. “É uma aposta que eu fiz. Eu espero que Frutal se transforme numa cidade um pouco melhor de viver, com menos violência e mais qualidade de vida para todas as pessoas”.
Adalberto ainda alfineta, dizendo que Frutal é melhor – nos quesitos: povo, localização, fontes naturais, terras – do que muitas cidades da região, inclusive Uberlândia. Porém, os políticos que guiaram a cidade não foram capazes de torná-la grande. Ele também espera que as pessoas se conscientizem de que o voto é muito importante para o crescimento de Frutal. E cutuca outros empresários bem sucedidos, dizendo que muitos fogem e não se importam com o rumo que a cidade está seguindo. “É preciso ter espírito forte para bater de frente com as pessoas, principalmente as pessoas do mal”.
Só mais 5 minutinhos...
No fim da entrevista Adalberto já questionava: “não acabou?” e relutante respondeu às questões finais dessa jornalista. Detalhe: Adalberto admitiu que não queria conceder a entrevista, mas deixou acontecer, porém não tiraria nenhuma foto. “Pode fotografar tudo aqui, mas eu não”.
Peço-lhe que me diga quem o inspira. “Meu pai. No mundo dos negócios, Antônio Ermírio de Morais.”. Um medo: “ficar doente.” Um livro: “no momento estou lendo “Sonho Grande”, de João Paulo Lima. Leio bastante, embora eu tenha preguiça. Já li todos do Paulo Coelho. Leio jornais e revistas também”.
Nessa hora Adalberto abre uma gaveta e tira dela um livro de capa branca, já marrom de terra, o que deixa claro que é um livro bastante manuseado. Abre o livro e lê uma frase: “Amo aquele que sonha com o impossível”, frase do escritor alemão Goethe. Depois ele folheia o livro em busca de outras frases que gosta e faz questão que eu leia todas elas. São frases sobre liderança, ambição e trabalho. A entrevista termina com o empresário me mostrando algumas fotos em sua sala de reuniões. Quando me despeço, agradeço a entrevista e me desculpo por ter tomado horas tão preciosas para o dia dele. Ele diz: “a conversa foi boa”, e acrescenta: “eu tentei fugir da entrevista, mas amanhã se você quiser conversar comigo eu não vou mais fugir”, fazendo alusão ao fato de encerrar conversas quando as mesmas não lhe agradam.
2 de novembro de 2018 às 18:13
Obrigada pela fascinante história de Adalberto. Fonte de inspiração e orgulho.