Por Rafael Del Giudice Noronha
Campeonato Brasileiro apenas na sua segunda rodada e já começaram as gozações, as piadinhas, a tiração de sarro. O futebol tem fanatismo. Qualquer torcedor que ama seu clube já acompanha, grita, xinga, comemora, vibra. Mas, e se seu time deixasse de existir? Seus ídolos, seus títulos, suas histórias, vitórias e derrotas ficassem apenas no passado, nas fotos, nas lembranças? É algo comum para as equipes do interior e infelizmente em Frutal a história não foi diferente.
Há décadas, onde hoje é a Praça dos Três Poderes, havia um estádio chamado Woyames Pinto. Havia também duas equipes, vários personagens, centenas de torcedores e uma cidade que parava para assistir aos embates entre Arsenal e Treze de Maio. Para os frutalenses mais velhos – ou mais experientes, como queiram -, lembrar desse clássico é praticamente viver tudo de novo. E há quem fique com os olhos marejados ao falar sobre os jogos e recordar daquela que foi a época mais bonita do futebol na cidade.
O início da rivalidade
Os dois times nasceram após uma briga entre dois amigos que jogavam juntos. Edgar e Dêgo. Após o desentendimento, cada um partiu para um lado e levantou sua bandeira. Edgar foi para o Treze de Maio, que já tinha um time, mas só se tornou forte após a sua chegada. Dêgo foi para o Arsenal, que era formado por trabalhadores de uma fábrica de bebidas. Nesse momento nascia a rivalidade que muitos apontam como a maior da região.
Frutal, então, passou a viver as emoções desse clássico. Em dia de jogo, para mostrar como a população gostava de prestigiar os times, costumava-se dizer que qualquer casa estaria livre para quem quisesse, afinal, todo mundo estava no campo da cidade.
A estrutura das equipes era digna de clubes de primeira divisão. Enquanto o Treze de Maio mantinha uma base frutalense no seu elenco, o Arsenal buscava jogadores de fora para os confrontos. Os times levavam uma rotina de clubes profissionais, treinavam periodicamente e, mesmo nos treinos, contavam com a presença de torcedores.
Até a década de 70, o Arsenal tinha um retrospecto vantajoso nos confrontos, porém, do ano de 1974 até 1982, ano em que o clássico praticamente morreu, o Treze de Maio conseguiu reverter a situação, conquistando títulos importantes, como o Torneio Tubal Vilela. Nos anos 70 as duas equipes participaram da Taça Minas Gerais, o Campeonato Mineiro da época, porém as campanhas não foram expressivas e a vida de Arsenal e Treze na elite mineira foi curta.
O fim do clássico
O último ano em que Treze e Arsenal fizeram grandes clássicos foi em 1982. Hipóteses para que a morte deste derby tenha ocorrido não faltam. A demolição do Estádio Woyames Pinto é uma delas, como conta J. Vasco, veterano radialista e que chegou em Frutal no ano de 1976. “Apesar de ter chegado na cidade quando as equipes já estavam em um momento difícil, acredito que a demolição do Woyames Pinto tenha sido o ponto final do futebol frutalense. A primeira vez que estive aqui foi em uma transmissão da Taça Minas Gerais em 1975, no ano seguinte me mudei para Frutal e acompanhei os últimos anos da rivalidade, pelo menos em campo.”
J. Vasco trata o fim da rivalidade apenas no campo, porque acredita que as torcidas permanecem até hoje, e o que falta são profissionais que tenham vontade para reerguer o futebol na cidade. “O futebol é muito político. O material humano de Frutal até hoje é bom, mas quando dez pessoas se unem para fazer algo de bom, outras dez ou até um número maior se unem em oposição, por isso que, em minha opinião, a política mata o futebol. Mas, amanhã, se formarem duas equipes com os nomes Arsenal e Treze, tem torcida. É fanatismo, futebol é assim. A torcida não morreu, ainda é ferrenha e existe.”, afirma.
A falta de profissionais, patrocínio e apoio ao futebol, também foi apontado por dois ex-jogadores trezistas como causas para que hoje não existam equipes como as de 30 anos atrás.
Antigamente, como conta Aldo Ayrs, ou Pelé – ex-zagueiro do Treze e hoje treinador de jovens – as pessoas envolvidas com o futebol tinham paixão pelo esporte, além de credibilidade. “Hoje faltam pessoas qualificadas para assumir os times, como no passado. Não vejo ninguém como Tuti, que foi diretor e treinador arsenalista, ou como Antonio Ferreira Borges, trezista apaixonado. Essas pessoas tinham crédito e respeito para pedir um patrocínio.”
Toninho Borges, filho de Antonio Ferreira Borges e ex-capitão do Treze por dez anos, também concorda que a organização atual é precária. “Hoje, temos mais de um estádio na cidade, uma estrutura física boa e os atletas frutalenses continuam bons, mas falta organização. Se um campeonato será realizado, por exemplo, os atletas se juntam, jogam e só voltam a jogar juntos meses depois em outra competição. Enquanto que, em minha época, eu joguei com os mesmos jogadores no Treze durante 10 anos. Nós jogávamos por música, sabíamos onde o companheiro estava sem nem olhar. Talvez essa seja a diferença do futebol de 30 anos atrás para hoje, os meninos não têm a oportunidade que nós tivemos. Então, se por um lado essa entrevista é gratificante, por outro é triste, porque vemos que grupos como aqueles de Treze e Arsenal dificilmente serão formados novamente.”, relata.
A polêmica demolição
Ao tratar da demolição do Woyames Pinto, alguns fatores devem ser considerados. A capacidade, a estrutura, os interesses, tudo deve ser analisado, como fala Toninho Borges, que é engenheiro. “Frutal já pensava em futebol profissional e o estádio não comportava o número de pessoas que era exigido pela Federação Mineira de Futebol, 15 mil. O Woyames tinha capacidade apenas para 1500.”
A demolição impactou a população, mesmo existindo o projeto de construção de um novo estádio, este um pouco mais afastado, o Marretão. O antigo Woyames Pinto era central, por isso a crença de muitos de que a ação do prefeito Pedro Marreta foi uma agressão ao futebol frutalense. O Marretão foi construído seguindo o modelo dos demais estádios brasileiros daqueles anos. Ou seja, estádios grandes, com fossos, onde a torcida ficava mais afastada do campo. Hoje, a arquitetura moderna projeta estádios ao estilo de arenas, com a intenção de deixar o público mais perto do gramado. Portanto, o tema tem de ser olhado segundo os padrões e costumes do momento do acontecimento.
Jogos inesquecíveis
A rivalidade entre Treze e Arsenal se desenhava como os clássicos entre Ponte Preta e Guarani, em Campinas, Botafogo e Comercial, em Ribeirão Preto. Duas equipes interioranas e da mesma cidade. Em Frutal, a equipe do Arsenal tinha um caráter mais elitista, enquanto o Treze de Maio era mais popular.
Toninho Borges e Pelé, que atuaram pelo Treze, se lembram da partida mais significativa para cada um. Pelé rememora uma decisão: “Naquela partida fiz o gol que alavancou nossa vitória.”, conta e não consegue segurar as lágrimas ao recordar o fato. Muito emocionado, completa: “Tenho amigos na Europa que dizem não ter visto lá o que a gente fazia aqui. Agora estou aguardando uma oportunidade de estágio na Alemanha, para conseguir realizar meu sonho que é viver de futebol.”
Toninho Borges diz que todo jogo contra o Arsenal era diferente, que os atletas literalmente jogavam com o coração no bico da chuteira e relata seu jogo inesquecível. Diferente de Pelé, ele consegue conter as lágrimas, mas se deixa envolver pela emoção e diz: “Para mim, o jogo mais importante do Treze de Maio foi a final do Torneio Tubal Vilela de 1980. Meu pai, que já não estava entre nós naquele ano, sempre sonhou com a conquista e eu pude marcar um dos gols da partida em que conseguimos o título.”
O esporte vive
Mesmo que os clubes deixem de existir, mesmo que a organização se torne precária com o passar dos anos, os clássicos interioranos sempre irão existir, ao menos na memória afetiva de cada pessoa que viveu a época.
O esporte perde muito com a preocupação excessiva com o lucro, quando deveria se preocupar com o prazer, com a saúde de cada praticante, seja qual for a modalidade.
A necessidade de estrutura e profissionais dispostos a lutar pelo esporte não pode desaparecer. Trata-se hoje o esporte como mero negócio, mais uma forma de ganhar dinheiro. Deve-se ganhar dinheiro sim, mas não se pode esquecer que, em primeiro lugar, o esporte é lazer, o esporte é inclusão.
E é através dele que vemos países humildes, como a Jamaica – no caso do atletismo – se destacar em relação a outras nações desenvolvidas e com muito mais recursos. O esporte é uma maneira de igualar e tem de ser valorizado, seja no interior ou em megacidades. Esporte é vida, não pode morrer.
RDGN
20 de novembro de 2012 às 15:04
Belo texto. Sou trezista, mas só vi o time nos anos 90 e não pude acompanhar nenhum clássico. Uma pena mesmo que o futebol frutalense, principalmente esses dois clubes, tenham morrido. E como dito no texto, a rivalidade nunca vai acabar.