Mau-gosto e ignorância em cartaz

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Por Lausamar Humberto

Já foi chamada de “o ópio do povo”. Este aparelho, que está presente em mais casas brasileiras do que a geladeira foi o grande instrumento de muitas mudanças culturais e comportamentais ocorridas nos últimos 60 anos.

Talvez se encontre paralelo de influência com tal poder apenas no cinema. Mas a televisão, que se disseminou em todas as classes sociais, do casebre na roça até o espigão da Paulista, do barraco da Rocinha até a cobertura no Leblon, por sua presença maciça, é o maior fenômeno de influência na história da humanidade.

É a mais barata, e muitas vezes a única, fonte de diversão e entretenimento para a imensa maioria da população. O tempo que se dedica a ela é assombroso. A conta é simples. Verificando quantas horas por dia uma pessoa fica em frente à tevê e qual o tempo que é dedicado às conversas com a família se verá que o tempo em frente à tevê será muito maior.
   
No seu início, na chamada era romântica da televisão, com profissionais vindos do rádio e do teatro, quando se engatinhava à procura da linguagem televisiva, o apelido de “circo eletrônico” se justificava. Era uma diversão ingênua em busca de seu próprio caminho. Mas alguma coisa se desvirtuou neste percurso.

Já foi chamada pelo escritor Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, de “máquina de fazer doido”. Na decadência de conteúdo verificada nas últimas décadas e que hoje parece alcançar o fundo do poço, a televisão tem se transformado numa máquina de produzir ignorância. 

Com programas cada vez mais discutíveis, com raras e bem-vindas exceções, com sua parcela jornalística caracterizando-se pela superficialidade e fragmentação, o caráter educador que a televisão deveria ter, por ser concessão pública com finalidades culturais, perdeu-se no emaranhado televisivo de baixa qualidade que atinge milhões de brasileiros todo santo dia.

Como principal elemento propagador da chamada indústria cultural, a tevê vem se prestando a divulgar o que de pior temos em nossas artes populares, se é que se pode chamar de arte o lixo que se tem consumido. Que não entendam a próxima frase como discriminadora, mas apenas realista. A tevê só é inofensiva para quem possui considerável bagagem cultural e é capaz de analisar criteriosamente toda informação recebida. Como quem consome tevê em larga escala não está preparado para este tipo de análise, a televisão semeia suas tolices impunemente e o estrago é enorme.

O acesso a outros meios de formação cultural é desmotivado pela facilidade oferecida pela tevê. A passividade na qual somos colocados, sem qualquer necessidade de exercício mental, (e físico, depois da invenção do controle remoto), tem contribuído para a formação de uma legião de ignorantes televisivos.

Em um veículo no qual profundidade e pensamento crítico não tem vez nem voz, os felizes telespectadores tornam-se papagaios repetidores do senso comum. Com isso estamos nos tornando não uma nação de cidadãos, mas sim uma nação de teleguiados.
                   

Cecília Meireles

Autora de voz própria e peculiar dentro de nossa poesia moderna, Cecília escreveu o que há de melhor no lirismo de nossas letras e, ao mesmo tempo, uma obra-prima da poesia social, “Romanceiro da Inconfidência”, o melhor livro de poesia brasileiro.

Deve-se ler Cecília Meireles sempre. Como exemplo da força e beleza de sua poética, reproduzo um poema que é verdadeira jóia literária. Escrito logo após a Segunda Guerra, é extremamente atual, nos dias que vivemos.
      
    Lamento do oficial pelo seu cavalo morto

    Nós merecemos a morte,
    porque somos humanos
    e a guerra é feita pelas nossas mãos,
    pela nossa cabeça embrulhada em séculos de sombra,
    por nosso sangue estranho e instável, pelas ordens
    que trazemos por dentro, e ficam sem explicação .

    Criamos o fogo, a velocidade, a nova alquimia,
    os cálculos do gesto,
    embora sabendo que somos irmãos.
    Temos até os átomos por cúmplices, e que pecados
    de ciência, pelo mar, pelas nuvens, nos astros!
    Que delírio sem Deus, nossa imaginação!

    E aqui morreste!Oh, tua morte é a minha, que, enganada
    recebes. Não te queixas. Não pensas. Não sabes. Indigno,
    ver parar, pelo meu, teu inofensivo coração.

    Animal encantado – melhor que nós todos – que tinhas
            [tu com este mundo dos homens?
    Aprendias a vida, plácida e pura, e entrelaçada
    em carne e sonho, que os teus olhos decifravam...
    Rei das planícies verdes, com rios trêmulos de relinchos...
    Como vieste a morrer por um que mata seus irmãos!