Por Mariana Nogueira e Lausamar Humberto
Passam das nove da manhã quando chegamos ao Frutal III e IV. Para os que nunca vieram para este lado da cidade, não é difícil chegar. Pega-se a avenida Brasília, sentido rodovia, e segue-se nela até cansar, ou melhor, até o fim do asfalto. Neste fim há uma rua à direita, ainda asfaltada. Por ela, persistindo mais uns 500 metros, chega-se ao local.
O bairro
O bairro, que leva o nome do ex-prefeito Alceu Silva Queiroz, foi construído numa parceria entre a Prefeitura Municipal de Frutal e a COHAB (Companhia de Habitação de Minas Gerais), com financiamento através do programa habitacional Minha Casa Minha Vida, do Governo Federal.
Ao entrar no primeiro quarteirão de casas a impressão que se tem é que é um bairro inclinado. Saindo da rua asfaltada de acesso e adentrando para as ruas internas nota-se um forte declive. Dentro do carro este detalhe é insignificante; quando se vai andar a pé a coisa muda de figura.
As ruas são todas de terra, e mais tarde saberemos que este é o principal problema do bairro. Nestas ruas de terra, a presença de muitas pedras, umas maiores, outras menores. Algumas bem redondas, ideal para usar no estilingue – na infância de outra época -, mas extremamente incômodas para se pisar.
A primeira parte do bairro, o chamado Frutal III, existe há mais de quatro anos. Com o surgimento do Frutal IV e a formação do bairro Alceu Silva Queiroz, vivem atualmente no conjunto aproximadamente 300 famílias, que pagam em média sessenta reais por mês de prestação de suas casas. O critério para escolha das famílias que recebem o benefício do Minha Casa Minha Vida é principalmente a renda mensal da família. Para este empreendimento, foram contempladas famílias com renda entre um e dois salários mínimos.
É de sonho e de pó...
As moradias representam o sonho da casa própria. Mas o Alceu Silva Queiroz tem graves carências em sua estrutura urbana e social. Djalma Batista de Mendonça, que está há mais de quatro anos residindo no local, aponta que o maior problema enfrentado pelos moradores é a falta de asfalto.
Na época das chuvas as ruas de terra se transformam em lama, e até o ônibus circular, que eventualmente passa pelo local, aí mesmo é que não passa, pois há grande risco de atolamento. Os moradores precisam se deslocar até o asfalto para pegar o ônibus, inclusive as crianças para pegar o transporte escolar. O local próximo a este “ponto de ônibus”, que vai entre aspas porque ponto não existe (por que não se constrói um?), é apenas uma definição do local onde se espera a condução. Este ponto vira um cemitério de sacolas plásticas, dessas usadas em supermercados e “extremamente benéficas” para o meio ambiente.
“As crianças vestem sacolas nos pés para poder caminhar até o ponto onde o ônibus para. As professoras já perguntaram diversas vezes porque as crianças chegam sujas na escola. A gente pergunta: vocês sabem onde moramos? Nós não temos culpa, pois, muitas vezes, o ônibus não passa dentro do conjunto e elas precisam caminhar até o ‘ponto de ônibus’”, relatam alguns moradores.
Findas as chuvas, os problemas só mudam de lado. Na época da estiagem, em que o clima está mais quente e a terra seca, a dificuldade é com a poeira. Pó que, inalado, prejudica o sistema respiratório causando espirros, tosse, alergias e problemas mais graves.
A falta de asfalto no bairro deve ser resolvida em breve.. No local há uma placa que indica que as obras de pavimentação devem durar, no máximo, 240 dias. A questão é que não há data de início. Moradores questionam: 240 dias a partir de quando? Quando Deus der bom tempo? Segundo a construtora, o asfalto chega a partir de junho.
Um dia a dia de carências
Inegável que a condição que mais chama à atenção das pessoas que residem em outros bairros de Frutal é a localização do conjunto. O fato de estar do outro lado da rodovia BR 364, coloca toda esta gente distante de todos os serviços públicos como creches, escolas, hospitais, rodoviária, polícia, fórum. E também dos serviços privados, como o centro comercial e os bancos. Para ter acesso a maioria destes serviços, o morador precisa se deslocar cerca de seis quilômetros, distância do bairro até o centro de Frutal.
Por estas características, o conjunto é praticamente um bairro dormitório. Durante o dia a maioria das casas fica fechada. Quase todos os moradores trabalham em outros bairros e só retornam para suas casas no fim do dia.
Ainda assim, é um bairro tranqüilo, de poucas ocorrências policiais, quase sempre pequenos furtos. E quando solicitada, a segurança pública também demora a chegar. Horas depois do chamado, em alguns casos.
Mesmo o índice de violência sendo pequeno e os crimes que acontecem, escassos, existe o desejo de que seja feita uma ronda policial mais frequente, como em outras áreas de Frutal. Assim como há a vontade dos moradores de uma creche e um posto de saúde mais próximos, serviços públicos fundamentais.
Futuros marinheiro e jogador de futebol
Existindo um pedaço de chão e algo cilíndrico ao alcance, teremos brasileirinhos jogando futebol. Com Daniel e Pablo não é diferente. Encontramos os dois na frente da casa da família de Daniel, jogando bola.
O espaço tem pouco mais de três metros. Como toda a área daqui, também é inclinado. As traves improvisadas são dois pedaços de canos com as duas pontas dobradas que são enfiadas na terra. É o Maracanã dos garotos.
São bons com a bola de capotão murcha e esfarrapada. Daniel, e que o Pablo não nos ouça, parece levar mais jeito pra coisa. Não por acaso, pretende ser jogador de futebol. Não pratica seu esporte no bairro. Não há campos. Não há nenhuma área para a prática de esporte ou de convivência. Uma pracinha sequer, nada. O local onde havia um minúsculo campinho improvisado foi tomado por tubulações usadas na construção da rede pluvial. A falta de sensibilidade destruiu o campo dos guris.
Ambos estudam no longínquo Estadual, a escola Maestro Josino de Oliveira, no outro extremo da cidade. Estão no 6º ano do ensino fundamental. Pablo quer ser marinheiro. Precisa estudar muito, levar a escola a sério, alerta a reportagem. Ele diz saber disso. A irmã de Daniel, sem dar as caras, grita de dentro da casa, por certo preocupada com a conversa com estranhos, pedindo para o irmão entrar. Decidimos seguir nossa caminhada e não atrapalhar mais o jogo dos meninos.
O mal na origem
As dificuldades encontradas no conjunto habitacional Alceu Silva Queiroz decorrem da falta de critério ao se construir bairros populares. Por uma destas irônicas coincidências, o ex-prefeito Alceu Queiroz é o responsável pelo melhor exemplo na nossa cidade: a criação da Vila Esperança.
Com este belo nome, o bairro popular teve que conviver por décadas com o apelido depreciativo de “Vila dos pobres” ou, pior ainda, “Vila dos cachorros”, pela enorme quantidade de cães que vadiavam por suas ruas. Construído sem a infraestrutura mínima, apenas em anos recentes o bairro conseguiu se recuperar e possibilitar condições dignas aos seus moradores.
No Frutal III e IV é isso que acontece. Uma pequena creche, uma pracinha, um área de esporte eram necessários. O asfalto, pelas condições da área, era imprescindível. E deviam ter vindo junto com a entrega das casas. Esta ausência tornou a vida das pessoas muito mais difícil. Mas não era melhor entregar as casas logo para as pessoas, perguntarão? Outros dirão: Há dezenas de outras famílias que gostariam de estar nestas casas.
É uma falsa questão. Não é por serem os beneficiados por este conjunto habitacional vindos de uma camada mais pobre da população que precisam se contentar com coisas mal acabadas. Esta ausência de estrutura urbana, com a qual moradores convivem há mais de quatro anos, obriga o próprio poder público a ir remendando os problemas, o que gera um custo desnecessário.
Cidadãos de primeira classe
Nesta matéria encontramos pessoas comuns. Que trabalham todos os dias e, com esforço, buscam educar seus filhos para o melhor caminho. As casas são como todas as outras que existem na cidade, com jardim, animais de estimação e roupas coloridas nos varais. Os cidadãos que moram no Conjunto Habitacional Alceu Silva Queiroz são iguais aos cidadãos das outras regiões de Frutal e querem que o poder público os veja dessa forma. O bairro é de periferia, mas seus moradores não são periféricos.
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