Anos de chumbo, homem de ouro

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Por Mariana Nogueira e Priscila Minani

Segunda-feira, 6 de junho de 2011, 19 horas. Duas repórteres e uma missão: ouvir as histórias de um personagem conhecido por todos os frutalenses, Seu Jeová Ferreira.

Vamos à apresentação da personagem. Jeová Ferreira nasceu em 23 de novembro de 1930, em Frutal, coincidentemente ano da Revolução de 30 e da chegada de Getúlio Vargas ao poder, o que pode ser encarado como razão para o seu caráter revolucionário. Proveniente de família simples, tinha avós fazendeiros e um pai que ensinou a ele e seus irmãos que deveriam aprender uma profissão para serem úteis à sociedade. Seguindo o conselho do pai, Seu Jeová, sempre muito interessado em adquirir conhecimento, obteve nos livros o suporte extracurricular necessário para isso. Entendendo muito de tudo, já foi datilógrafo, auxiliar de escritório, relojoeiro e contador. Mas sua grande paixão sempre foi a comunicação.

De suas mãos e genialidade surgiu o primeiro rádio transmissor e a primeira antena de TV de Frutal. Era técnico em rádio e transmissão e trabalhou na Rede Mineira de Rádio e Televisão Ltda., em Uberlândia; na Rede de TV de Minas, em Belo Horizonte; e no Canal 7 em Frutal. Além de ter sido programador de microcomputador e instrutor de informática. Atualmente, é contabilista na ACIF – Associação Comercial e Industrial de Frutal.

Parece muito, mas é pouco diante dos 80 anos bem vividos do nosso personagem, que teve um livro publicado em 2002 contando as histórias da cidade, chamado Original História de Frutal, inescapável para quem precisa de informações sobre esta terra.


O diário de um sobrevivente

Figura viva da história de Frutal, Seu Jeová Ferreira passou por maus bocados durante a Ditadura Militar. No ano de 1959, então membro de um Centro Espírita que seguia os ensinamentos de Allan Kardec, foi convidado a ser um dos fundadores de uma associação que teria como objetivo melhorar a qualidade das condições dos trabalhadores rurais.

Assim surgiu a Associação dos Trabalhadores de Frutal – ATF -, que se unia para requerer dignidade trabalhista no campo e na cidade. Nécime Lopes da Silva, prefeito de Frutal na época, ajudou a associação com a doação de um terreno para construção da sede. A partir daí, tendo um endereço, começaram as reuniões.

A ATF era vista por muitos como ameaça de derrubada do poder por ser integrada por comunistas. No entanto, sua principal motivação era a luta pacífica por leis trabalhistas, e não a luta armada como temiam os militares. Considerando o regime autoritário vigente, qualquer liderança contrária deveria ser barrada. E foi o que ocorreu.

Em um dia comum de reunião, os soldados invadiram a sede dos trabalhadores e recolheram todos os livros encontrados no local, que foram levados para o quartel de Juiz de Fora. Os livros são símbolo de conhecimento, e o conhecimento pode ser subversivo e esta era a grande preocupação do regime, pois a formação de cidadãos capazes de refletir e opinar resultaria em problemas para manter o regime militar. Esta ação mostra o caráter repressor do período. Esta invasão foi o primeiro de uma série de sucessivos acontecimentos de pressão.

A imagem dos comunistas era a mais radical e negativa possível. Mas muitos deles, como Seu Jeová, buscavam somente a defesa de seus ideais e não uma revolução violenta com tomada de poder. Prova desse equívoco foi a questão das terras. “Os fazendeiros achavam que os comunistas estavam tomando suas terras, mas o movimento dos sem terra surgiu entre os banqueiros, pra fazer com que os fazendeiros pagassem as dívidas ao banco, pois eles pegavam dinheiro emprestado e não pagavam ao banco o que deviam” conta Ferreira.

Seu Jeová e os demais membros da associação foram exemplo de coragem e ousadia. Determinados a alcançar seus objetivos, fizeram várias viagens a São Paulo para se reunir. Até que, no dia 31 de março de 1964, (na verdade madrugada do dia 1 de abril, data renegada pelos militares por ser o dia da mentira) se concretizou o golpe. Magalhães Pinto, então governador de Minas Gerais, afirmou que o estado estava separado do Brasil, assim como o Rio Grande do Sul, pois não apoiava o golpe que depôs o presidente João Goulart.

No dia 10 de abril, algo radical aconteceu com os membros da Associação dos Trabalhadores. Militares invadiram a sede e, além de levar novamente os livros que encontraram, prenderam os comunistas. Não satisfeitos somente com a prisão, entraram nas casas das famílias para apreender tudo o que representasse ameaça de manifestação. Eram livros, revistas e fotos.

De Frutal, Seu Jeová, que na época era secretário da associação, seu irmão Deusdante Ferreira e outros membros foram levados para Uberaba. Lá, ficaram presos por algumas semanas, até que uns fossem soltos e os “mais perigosos” levados para Belo Horizonte. 

Foram setenta e cinco dias em cárcere privado e mais cinco dias em que Ferreira e os outros presos compareciam à delegacia, como forma de provar à polícia que eles não fugiriam da cidade. Só foram soltos quando cada um delegou a responsabilidade de suas ações à outra pessoa, que assinaria um termo se comprometendo pelos atos do tutelado. Seu Jeová teve o cunhado João Geraldo como tutor.

Estes dias sombrios não foram apagados da memória de Jeová Ferreira e de todos os frutalenses que viveram a ditadura militar. Aos oitenta anos, Jeová relembra este período sem mágoas. Ao ouvir suas lembranças percebe-se que o ocorrido apenas comprovou o exemplo de homem de força, resistência e fiel aos seus princípios, que foram e são defendidos até o fim. Ferreira traz desta época boas histórias para contar. Histórias que, mesmo tão intensas e difíceis, são contadas com o bom humor e o sorriso no rosto de quem sabe que viveu e vive intensamente.