Por Thaís Fernandes
Nariz vermelho, roupa colorida e sorriso largo. Aquele que lhe encantava no centro de um picadeiro qualquer, na infância ou mais tarde, que lhe fazia gargalhar e aplaudir de pé é o mesmo ser que, com o figurino um pouco diferente, jaleco de médico e maquiagem mais leve, encanta novas platéias. Com a vontade de levar alegria ultrapassando barreiras e chegando a locais inusitados: hospitais, creches, asilos.
“Eis o que ninguém sabia: hospital também é lugar de alegria”. E foi levando essa ideia à diante que o grupo de jovens, que se encontrou em Frutal, resolveu iniciar um novo projeto. Os Doutores Palhaços da Alegria frutalenses começavam a surgir bem antes da primeira reunião.
“Quero ser doutor palhaço também! Tem esse projeto em Frutal?” A curiosidade de alguns dos participantes em saber mais sobre um trabalho realizado anteriormente por uma das voluntárias. A falta de projetos que seguissem essa linha na cidade. Eis os motivos para a criação do grupo.
A inspiração vem de outros trabalhos ao redor do mundo. Como o de Patch Adams (representado por Robert Willians no filme ‘O Amor é Contagioso’), médico que atua como Dr. Palhaço em locais carentes e até mesmo zonas de conflito mundial.
Trabalho em que qualquer pessoa que queira ser voluntária pode, com muita responsabilidade, vestir-se de palhaço e, ao invés de esperar seu público aparecer, ir até ele. Mais do que isso, esses clowns, termo em inglês para palhaço, assumem o papel de médicos formados em besteirologia. Usam de brincadeiras, conversa e muito afeto para encontrar o melhor em seus “pacientes”.
Os Doutores Palhaços nascem
Muitas conversas e ideias até a prática. Aos poucos, o grupo frutalense foi encontrando participantes e tomando os cuidados para que tudo pudesse se tornar real. Os 12 jovens que atualmente integram o projeto são: Daniel Bizanha, Fernanda Brahan, Juliani Lima, Lucas Góis, Matheus Bassi, Matheus Brambatti, Matheus Frizoni, Nayara Trindade, Ramon Portes, Thais Fernandes, Thiago Couto e Vagner Delvecchio. E pretendem aumentar seu número para 14 voluntários em breve.
Todos eles se encontraram graças ao vínculo criado por estudarem na UEMG, mas os cursos e turnos variam e a iniciativa de realizar o projeto em Frutal foi independente da universidade.
Dos atuais participantes, nove não nasceram em Frutal e não tiveram contato com a cidade antes de se mudarem para cá para estudar. É um dado peculiar. Pessoas que, a princípio, não teriam que se preocupar com a sociedade local e que estão atuando com uma preocupação social.
O que motivou cada um deles foi ter encontrado pessoas com a mesma vontade e iniciativa. O momento foi propício para a criação do projeto, e independente de onde vêm, eles agora têm um vínculo muito maior com a cidade. Compreenderam que o que importava era praticar o bem, e não onde ou para quem se estava praticando.
Os três frutalenses, Lucas, Thiago e Nayara, colaboram no contato direto com a comunidade. Eles conhecem os problemas e instituições mais carentes de Frutal, além de saber por onde começar a procurar auxílio e novos parceiros para levar os Doutores Palhaços sempre adiante.
A cidade tem mostrado ótima receptividade. Tanto por parte das instituições quanto dos moradores e estudantes. “Sem dúvidas a repercussão foi grande e está sendo muito aceito e procurado. É inevitável, desperta a curiosidade de todo mundo. Eu acredito que só tem a crescer e se expandir cada vez mais. Devemos ter futuramente mais participantes e, para isso, devemos estar abertos, como nós estamos.”, é o que afirma o voluntário Thiago Couto.
Palhaçada levada à sério
No final de 2010 uma loja local doou um ventilador e o grupo realizou o sorteio de uma rifa. Com o dinheiro arrecadado foi possível a compra de brinquedos e doces para doar as crianças visitadas, além de maquiagens e roupas para os Doutores Palhaços.
Juliani Lima participa de todas as visitas desde o início do Projeto. Ela encontrou ali a maneira certa de colaborar, exercendo sua cidadania fazendo algo com o qual se identifica. “Sempre gostei de lidar com crianças. Quando eu soube que estaria fazendo isso no projeto, eu quis participar. Até pra poder dar essa contribuição para a sociedade, já que foi a primeira vez que eu tive a oportunidade de participar de um trabalho voluntário.”, conta ela.
A criadora da Dra. Jujuba revela ainda que as idas até as entidades carentes são sempre momentos especiais. “É muito gratificante. Durante a semana inteira nós vamos à faculdade, trabalhamos, fazemos as coisas do cotidiano. Mas acabamos não tendo esse contato, não fazendo realmente o bem pra alguém. É com esse trabalho que eu me sinto realizando essa parte. Eu sempre achei que o voluntariado era muito legal pra quem participava. E agora eu só tenho comprovado isso.”, diz Juliani.
Thiago Couto Silva se divide nas tarefas de auxiliar geral, fotógrafo e organizador da bagunça desde que os Drs. Palhaços surgiram em Frutal.
Ele conta que ver o retorno por parte das crianças atendidas é o que o incentiva. “Em geral é tranquilo exercer todas essas funções. Ir aos encontros e ter contato com as crianças. Independente de idade, sexo, cor. É muito satisfatório levar o sorriso, o amor.”
Thiago entende que as visitas fazem tão bem aos voluntários quanto a quem é visitado. “Essas são crianças carentes. Pessoas que precisam de mais brilho na vida e acredito que isso seja o mínimo que podemos oferecer”, conclui ele.
Desde o início o ponto de encontro é sempre na casa de um dos estudantes. E atualmente o foco do trabalho são crianças de creches ou instituições carentes. Nas cinco intervenções realizadas até aqui o grupo já aprendeu muito e agora procura se organizar mais. Ainda neste mês de junho eles começam a realizar treinamentos. Neles, cada um terá como lição de casa procurar por novas brincadeiras, jeitos diferentes de animar as pequenas plateias. Aprender e repassar para o grupo.
E com o tempo todos ao redor começam a entender melhor o intuito desses jovens. Seu papel, por incrível que pareça, não é apenas o de fazer palhaçada. A frase que eles encontraram para lema do trabalho é: “Levando amor em um sorriso”.
Vai muito além do riso, é companhia sincera. Estes jovens incentivam que todos criem a atitude de ir ao encontro de quem precisa. Estar junto com alguém, fazer-se presente na vida das pessoas, ouvir suas histórias e angústias, tudo isso faz a diferença.
Disseram-me um dia: “o melhor remédio não é o riso, o melhor remédio é a amizade”. E é essa a maior verdade que eu tenho visto acontecer.
Segredo nosso
“Vou te dar o meu bombom, mas é segredo nosso, tá bem?”
A fala acima é do Doutor Teteco, um outro lado do naturalmente brincalhão Ramon Portes. E mostra quando a doação vai além do simples falar, passa por pequenos gestos.
Na visita à Casa da Sopa realizada no dia 30 de abril de 2011, o Doutor se encantou com o garoto chamado “Luan”. O pequeno provou que o maior mestre de um bom palhaço é mesmo a criança. Divertiu-se muito e deu um show à parte. Cantou, desfilou e ao final de toda a brincadeira ganhou como presente o bombom do próprio Doutor Teteco.
Coragem
“Vocês voltam aqui amanhã?” “Posso te dar um abraço?”
Duas frases ditas frequentemente pelas crianças visitadas. Revelam um pouco da essência do projeto dos besteirólogos.
É preciso muita coragem para conseguir expressar exatamente do que precisamos. E tem sido isso que muitas crianças visitadas demonstram. No início, é difícil se abrir e a confiança delas tem que ser conquistada. Aos poucos elas se sentem à vontade com a presença dos Doutores e acabam revelando nessas frases e detalhes suas fragilidades.
A carência aqui não é apenas financeira ou social. É também de apoio, de brincadeira, de afeto. E só nesse contato é possível adquirir confiança para melhorar a auto-estima dessas crianças.
Sempre tem um destaque
Após as visitas os voluntários conversam e costumam perceber algum caso que marcou.
Alguma criança que surpreende: “a menininha que desfilou na ultima visita, toda ‘se achando’. Como se fosse modelo mesmo. A reação positiva de um menininho que tem câncer. A gente consegue ver, mesmo através das fotos, a emoção. O brilho no olhar de cada um. Perceber que a nossa mensagem está sendo transmitida”, afirma Thiago.
Juliani também se recorda de um caso específico. “Em uma das visitas que nós fizemos, estavam todos interagindo. Foi quando eu olhei pro lado e vi um menininho que estava quieto. Fui brincar com ele e vi que ele não respondia verbalmente. Então alguém me explicou que ele era mudo. Isso é normal, mas eu nunca tive contato assim tão próximo com uma criança muda. Foi aí que eu percebi que deu tudo certo. Ele brincou e se divertiu junto com a gente também.”
Por quê Palhaço?
“Aquele bebê, parecendo uma bolinha de tão rechonchudo. Estava lá chorando nos braços de uma das moças que trabalhavam na creche. E com tantas crianças pra tomar conta, ela me viu e pediu pra que eu o segurasse. Quando eu o peguei no colo, ele ainda chorava. Foi quando finalmente virou o rosto pra mim e parou. Ficou uns minutos sem chorar, só me olhando.” É o que conta o Doutor Bizi, vivido por Daniel Bizanha, que numa tarde de novembro de 2010 visitou uma creche com cerca de 80 crianças entre 0 a 8 anos.
Esse olhar curioso explica o porquê da caracterização de um Doutor Palhaço. Um pouco mais de cor pra quem já está acostumado a enxergar as mesmas coisas todos os dias. Isso vale para crianças, professoras e funcionários, dos locais visitados. Todos precisam desse tempo. Dessa saída da rotina. É bom se deparar com algo de diferente. Que atice a curiosidade e encha os olhos. Algo que faça uma criança que chorava desesperadamente ficar em silêncio. Parar de chorar só pra olhar e analisar aquela figura tão colorida e fora do comum.
Convenhamos: estar no centro das atenções de cerca de 80 crianças, como geralmente acontece, não é nada fácil. É aí entra o verdadeiro encanto em ser palhaço. Ter a liberdade de não precisar mais se limitar. Tornar-se um personagem com características diferentes das suas, e poder fazer de tudo que em seu estado normal, não ousaria.
Vendo os Doutores Palhaços atuando percebe-se que cada um deixa de lado seus problemas e horários. Adquire um único compromisso. O de se doar.
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