De portas abertas

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Por Mariana Nogueira, Priscila Minani e Rafael Del Giudice Noronha

“Na campanha, você vai até a casa das pessoas e elas te recebem. Depois essas pessoas te procuram e você não está lá?”

Esta foi a frase da prefeita Ciça ao receber a equipe do 360 em seu gabinete e justificar o atendimento semanal ao público. Exceto pela presença dos repórteres, toda quarta-feira, desde o primeiro mês do primeiro mandato de Maria Cecília Marchi Borges é assim. As portas estão abertas para uma conversa com a população.

A atitude pode gerar pontos de vistas opostos. Alguns dirão: ora, é uma perda de tempo a prefeita ficar uma manhã toda tratando diretamente com as pessoas, enquanto esse serviço poderia ser feito pelos seus assessores. Mas outro grande número de pessoas pensará: atitude bacana, sinal que ela se preocupa com cada cidadão, que não há uma banalização dos problemas.

Certa ou errada, a atitude é um risco. Ouvir um não diretamente da prefeita pode ser a pior coisa de quem necessita de soluções praticamente imediatas. Pode custar um voto. “Prefiro receber, dizer um não e assumir a responsabilidade, do que tratar os frutalenses com descaso” diz Ciça sobre as quartas-feiras.


Cara a cara com o eleitor

A população chega cedo ao prédio da Prefeitura. O relógio marca 7 horas da manhã, horário em que cidade ainda boceja de sono, e uma pequena quantidade de pessoas já aguarda pela conversa com a prefeita.

As mãos que se esfregam uma na outra transmitem ansiedade, os olhos despertos caçam os detalhes do ambiente como forma de distração. Uns conversam entre si assuntos que vão desde problemas pessoais até banalidades sobre o tempo, outros permanecem calados e esperam.

Gente simples, que tenta se esquentar um pouco do friozinho nada comum que faz nesta quarta-feira.

Enquanto estava distraída em suas observações a repórter é surpreendida. Uma cutucada no ombro. Uma mulher, que aparenta ter uns 43 anos, pede-lhe para que preencha um cupom.

Inicialmente seu pedido é associado ao fato da repórter ter uma caneta em mãos, no entanto, mais tarde, constata-se que tem dificuldades com a escrita. Maria de Fátima Alves da Silva, como se chama, está ali em busca de um emprego. Ela prestou o concurso para gari, mas não alcançou boa colocação e por isso ainda não tinha sido chamada. “Não é a primeira vez que venho aqui, mas preciso tentar de novo”.

Quando os ponteiros completam o 38º minuto depois das sete, Ciça chega. Traz consigo numa sacola algo parecido com pães, requeijão e outros alimentos que combinam com o café da manhã.

Alguns minutos depois, a secretária anuncia os nomes do primeiro grupo de pessoas que vai entrar para falar com a prefeita. O caminho daquela que pode ser tratada como sala de espera até o gabinete é pequeno, e antes de entrarem para a conversa, todas as pessoas são recebidas com um “bom dia” por Ciça.

No gabinete, todos sentam ao redor da mesma mesa. Acomodadas em vistosas poltronas alaranjadas, a maioria estampa certo conforto em estar diante de quem elegeram. Não há hierarquia ou posição que destaque Ciça das outras pessoas. Não há seguranças. É um local organizado. Quadros de congratulações, retratos do governador de Minas Gerais, Antonio Anastasia e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ainda não cedeu seu lugar à presidente Dilma, fazem parte da decoração. As cores neutras, alguns quadros de pintura figurativa, as moções de aplauso, de agradecimento e de congratulação penduradas lado a lado são outros itens da decoração do lugar. Há também um pequeno altar, com vários santos, indicativo da devoção católica da prefeita, e orquídeas artificiais. 

Quase sempre os atendimentos são feitos em conjunto, entretanto, há aqueles que preferem atenção exclusiva. Neste caso a prefeita se retira para a parte externa do gabinete e atende ali mesmo.

Um a um, a prefeita ouve todos os presentes. Quando possível, faz ligações. Todos os seus assessores estão à disposição. Segundo ela, isso já é de praxe. Nas ligações, busca alternativas, mas nem sempre as pessoas saem com o problema totalmente resolvido.


Quase todos satisfeitos

As expressões que antes representavam ansiedade agora demonstram confiança. O ambiente criado é favorável para que ninguém sinta receio ou vergonha. A rotina é essa: a pessoa se senta ao lado da prefeita, fala sobre o que a trouxe ali e ouve algo, que pode até ser um não, mas que não significa a desistência. Pelo contrário.

 “Não é a primeira vez que eu venho, sempre fui muito bem recebida e saio sempre esperançosa. Sou cidadã antes de tudo e por isso acho justo vir até aqui” é o que diz a funcionária pública Joilma Nabor Gomes. O assunto tratado era relacionado ao seu trabalho.

 Cada atendimento dura cerca de cinco minutos, tempo suficiente para desabafos, críticas e pedidos. Após o término de cada um, Ciça se levanta, dá um abraço ou um aperto de mão, deseja bom-dia e diz ao cidadão que vá com Deus. Este gesto se repetirá mais de quarenta vezes nesta manhã. Um gesto que talvez não resolva o problema, mas pelo menos conforta.

Isso é notável nos olhos que brilham “à espera de um milagre”. Uns saem confiantes, outros angustiados. Não que tenham sido mal atendidos, mas não é possível agradar a todos.
Chega à vez de Dona Maria de Fátima. Ela diz que faz tempo que está desempregada. A prefeita explica: “a senhora precisa aguardar ser chamada, pois as vagas já estão preenchidas”. A conversa termina. Dona Maria sai da sala sem uma solução, mas ainda assim com um sorriso no rosto. Questionada, diz: “faltam coisas na minha casa e o sustento é difícil, mas eu não posso perder a esperança”.

Lá dentro, as visitas continuam até que um telefonema interrompe. É uma funcionária da prefeitura dando a informação de que há 20 pessoas à frente de Dona Maria. Ou seja, não há muito que fazer por ela.

Nem tudo são flores neste dia de audiências entre a população e a primeira prefeita frutalense. Dionéia Sousa é o nome da exceção encontrada nesta manhã. A mulher, que diz ser trabalhadora e não ter um local para morar, pretende invadir um terreno, pois não é a primeira vez que recorre às quartas-feiras para tentar resolver seus problemas, mas “há uma enrolação e nada acontece”.

Ciça se defende: “Eu não vou conseguir sanar 100% da questão habitacional, mas ela não saiu aqui sem alguma alternativa. A Dionéia nos pediu alguns materiais de construção. Agora, iremos analisar a situação para ver se é possível. Não é questão de enrolar, existe toda uma filtragem que é feita por uma assistente social.” A prefeita ainda alerta para a possível invasão: “Se isso acontecer, tem a fiscalização. A pessoa acaba se complicando ainda mais, pois há uma série de argumentos judiciais.”

Muitos vão até o gabinete pedir um emprego e é o que Maria Conceição Pereira faz pela segunda vez. Há três anos Pereira foi até a prefeitura e fez o pedido, mas não foi atendida, agora ela volta até o local na perspectiva de que, dessa vez, consiga uma colocação no mercado de trabalho.

Além da busca por trabalho há outras questões, algumas bem sérias. Na manhã desta quarta-feira nublada uma jovem de dezoito anos acompanhada de sua mãe faz um apelo: após sofrer agressões do marido, saiu da casa onde morava com o parceiro e precisa de um emprego para sustentar os dois filhos pequenos que tem, apesar da pouca idade.


A decisão de abrir as portas

Esse atendimento é mesmo necessário? A prefeita explica: “Incomodava quando meu marido era prefeito e havia pessoas na frente da minha casa para pedir ou reclamar de alguma coisa. O lugar disso é aqui, na prefeitura.”

Ciça afirma que é uma cidadã qualquer e quer ter liberdade para suas atividades comuns.

Gosta de andar de bicicleta todos os dias e de poder ir ao mercado sem que haja uma abordagem que cause algum transtorno: “É claro que uma ou outra pessoa acena pra gente na rua ou no mercado. Eu converso, mas elas já sabem: toda quarta-feira o gabinete está aberto para exatamente isso. É uma diferenciação do profissional e do pessoal. Isso contribui na qualidade de vida.”

E desde seu primeiro mandato o projeto foi estabelecido. Assim, por quarta-feira passam pelo gabinete, em média, 45 diferentes histórias. 


Quando deixar o cargo

A prefeita está em seu segundo mandato, portanto, em pouco menos de dois anos, deixará o cargo. E virá mais política ou deixará de lado essa vida? Ciça analisa as ideias ainda e finaliza completando sobre as próximas eleições: “Eu tenho uma sobrinha que é formada em moda. Ela desenha muito bem. A gente pensa em abrir algo aqui para explorar esse talento dela, mas ainda não sei. Acredito que vão existir algumas vagas na política, mas temos que esperar acontecer” conclui.