Por Aluízio Umberto
Piedade, um sentimento esquisito de sentir. Cola no outro uma fragilidade desumana, urgência de apoio. A mim incomoda a denúncia de dependência, de que o outro é passivo, que não conseguirá superar sem ajuda. Jamais imaginei que a piedade me levaria a escrever alguma coisa sobre duas crianças, mas é o que me inspira.
Era uma tarde quente de domingo. Havia um homem, em idade adulta, entre 30 e quarentas anos, desses que a gente percebe que labutam cada dia pelo pão e proteção de um teto.
Totalmente vencido pelos efeitos da bebida ele encontrara um pedaço de terra gramada para descansar o corpo. A julgar pela profundidade do sono, o local, que não deve ter mais que dois metros de comprimento por um e meio de largura, parecia a cama perfeita. Esse homem estava sem camisa, trajando apenas um surrado bermudão jeans. Notava-se a carteira no bolso, volumosa, o que tanto podia ser dinheiro ou documentos. Algumas pessoas, nas proximidades, comentavam os efeitos da bebedeira e a provável necessidade de guardar a carteira daquele homem – esposo de uma pessoa conhecida daqueles que estavam por ali.
Até aqui, infelizmente, uma cena corriqueira. São muitos os alcoólatras acorrentados às malvadezas da cachaça e da cerveja. Mas então se deu a mudança.
Sabíamos que aquele homem havia chegado ao local acompanhado dos filhos. Uma mocinha, talvez de doze ou treze anos, e um menino que não deve ainda ter ultrapassado o décimo aniversário. Os meninos, talvez informados da situação do pai, deixaram suas brincadeiras para ver o que acontecia. Ao ver aquele homem em situação tão exposta e humilhante, esses meninos ainda, que o devem ter como herói e referência de proteção, se encolheram em tristeza, desamparo e vergonha.
Acho que nem todos ali sentiram o mesmo, mas em mim subiu uma amargura que travou a garganta.
A mocinha, que deveria estar ocupada em enfeitar os sonhos fantasiosos da pré-adolescência, sentou-se em um degrau de escada, à cabeça do pai, e, esmagada pela tristeza e decepção, enfiou a própria face entre as mãos, correndo as palmas pelos cabelos – num típico gesto de impaciência, desesperança. Para ela, que já deve saber um pouco sobre a incompreensão e hipocrisia dos seres humanos, a dor era consciente.
Mais comovente foi a ação do menino. O pequeno, sem entender bem o que acontecia com o pai, sentou-se na grama com as perninhas cruzadas, o tronco pendendo para frente. As mãozinhas apoiadas no chão estavam separadas uma da outra. Os bracinhos abertos, como o corpinho inclinado, pareciam sugerir proteção aquele que deveria ser seu guardião. Às vezes ele corria o olhar despreocupado por todos aqueles que estavam ao redor. Não havia medo naqueles olhinhos – apenas um tantinho de estranheza. Vergonha também não havia. Nos olhos do menino brilhava tão somente um carinho infinito.
Imagens de documentários da vida natural – quando filhotes ficam ao lado dos pais mortos, impotentes e perdidos na vida – cavaram em meu coração um vazio de desesperança.
Essas duas crianças, em vigília pelo genitor bêbado estirado sobre um pedaço de gramado, sendo motivo de risinhos insensíveis de alguns passantes, jamais sairão das minhas preces. E nelas pedirei que um dia possam todos os pais ter mais respeito pelo enorme peso de nossas ações e decisões sobre aqueles a quem chamamos de filhos.
O pai, eu soube depois, é um homem bom. Trabalhador que bebe esporadicamente e não maltrata a família. Mas, nesses dias de bebedeira, tenho para mim que ele se torna o assassino da autoestima da própria filha. Além de matar aos poucos a inocência de um garoto.
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