Quem não sonhou?

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Por Rafael Del Giudice Noronha


Digam o que quiser. Do menos fanático, do menos habilidoso até o mais apaixonado torcedor de futebol, todo garoto já chutou uma bola. E um dia, ou esse garoto ou alguém à sua volta já disse: “vai ser jogador de futebol”. E quem não sonhou?

Quem assiste ao clipe da música “É uma partida de futebol”, do Skank, ouve: “o futebol é um ramo da arte. Arte popular.” A seguir, um belo solo de guitarra e, sem dúvida, um dos melhores resumos sobre o que é um jogo. Definições simples, que deixam claro a função de cada jogador no campo. A parte menos feliz do clipe é, para este paulista que vos escreve, mostrar uma partida entre Cruzeiro e Atlético Mineiro, mas isso, é detalhe, mero detalhe de regionalismo.

E todo garoto se identifica com ela. Que moleque, com seis, sete ou até vinte anos já não sonhou entrar num estádio lotado para fazer aquilo que mais gosta: jogar futebol. São raras as exceções, assim como são raros os que conseguem realizar este sonho.

Geralmente, a história é esta: um garoto simples, que joga o seu futebol no campinho de terra, ainda sem nenhum calçado. Alguém passa por ali, o observa. E gosta! E o leva para testes, para treinos, até que dá certo. Um novo Pelé? Um novo Garrincha? Bem, são suposições injustas. Jamais haverá outro jogador como Pelé, como Garrincha, ou até mesmo um Felipe Melo. O novo aspirante a astro do mundo da bola é único. Pode ser habilidoso ou cabeçudo, como muitos definem o nosso volantão da última copa, mas cada jogador tem a sua característica. Arquétipos – a mini-história do começo do parágrafo – existem apenas na teoria, exceto para Jung, nome famoso da psicologia analítica.

Pois bem, além do dinheiro e da fama – alcançados por uma minoria – por que ser jogador de futebol? Por que passar tanto tempo longe de casa, para depois, os amadores, entrar nestes micros coliseus contemporâneos que são os campos da várzea na esperança de ser visto e sair do anonimato, se tornar minoria, exceção? É impossível explicar paixão, esperança e prazer.

Mas, se é pequena a parcela de pessoas que vivem esse sonho, até que isso se torne realidade, a possibilidade sempre existe. E existe em qualquer lugar do mundo. Seja em Marselha, França, onde nasceu Zidane. Seja em Ypacaraí, Paraguai, terra de um dos melhores zagueiros da Copa de 1998, Gamarra. Seja em Paulista, interior do Pernambuco, terra de Rivaldo, o grande jogador brasileiro, ao lado de Ronaldo, na Copa de 2002. Em qualquer lugar do mundo, existem talentos, existem pequenos diamantes, pedras brutas à espera da lapidação.


Alisson Ribeiro, o beque de Fronteira
O leitor provavelmente ainda não ouviu falar de Alisson. Nascido no dia 10 de fevereiro de 1994, na cidade de Fronteira, o jovem atua hoje como zagueiro do time sub-18 do Internacional Sport Club.

Diferente da pequena história sobre surgimento de jogadores, descrita acima, Alisson não foi visto em um campinho de terra. E para os argumentadores de plantão, isto não é uma contradição. Serve para mostrar que cada história é uma história e reforçar a idéia: os arquétipos são, na maioria das vezes, pura teoria.

Voltando à história do beque de Fronteira. Há quatro anos, Alisson começava a dar os primeiros passos no caminho para o Rio Grande do Sul. Treinava na escolinha municipal de sua cidade, até que, dois anos depois (2009), surgiu a oportunidade de jogar um campeonato regional, em São José do Rio Preto. Fronteira participou e o zagueiro despertou o interesse do nosso outro personagem, Afranio Vieira Junior, frutalense, professor de educação física e então técnico do América de Rio Preto.

Interessado no futebol do atleta, Afranio o convidou para uma semana de treinamentos em Rio Preto. A semana foi de trabalho intenso, com saldo positivo. Alisson permaneceu na cidade paulista até meados de 2010, obteve bons resultados. Teve altos e baixos como todo atleta, mas nunca desistiu. “O Alisson é focado, sério, já passou por fases difíceis e sempre buscou melhorar. É muito maduro, característica importante para não ficar deslumbrado com o mundo do futebol e alcançar seus objetivos.”, diz Afranio.


Rio Grande do Sul, o beque está fora de casa
Em março de 2010, Alisson viu a oportunidade de mudar a vida. Um DVD com lances do atleta e um jogo completo foi levado para dirigentes do Internacional. Novamente o garoto foi convidado para ficar uma semana treinando sob a análise de profissionais que buscam transformar a pedra bruta. O resultado? Aprovado.

Mais um mês e o contrato com o Internacional seria assinado. Alisson conta como foram os dias que ficou na capital gaúcha antes da assinatura: “O começo é bem difícil. Até assinar o contrato é assim. Mas hoje o clube oferece toda a estrutura necessária para o nosso melhor desenvolvimento.”

O zagueiro, que começou em Fronteira, numa escolinha simples, é hoje atleta da Agência N2Sports, já foi campeão gaúcho – em cima do Grêmio –, 3º colocado em campeonatos nacionais e coleciona títulos de torneios regionais.

Apesar deste mundo de títulos, contratos, boa estrutura, ninguém substitui a família e isso ficou claro, ao ouvir as palavras de Alisson pelo telefone “A saudade de casa é complicado. Eu saí com 14 anos e minha adolescência foi trabalhar, mas o que aperta mesmo é a saudade.”


Talentos por todos os lados
Além de Alisson, Afranio conta que existem outros jogadores da região que estão em grandes clubes. Na cidade de Frutal mesmo, o garoto Gustavo, que começou em 2006 na Escolinha Gol de Placa, hoje é capitão da equipe Sub-15 do Noroeste de Bauru.

Fica, portanto, provado por A + B, que talentos existem por todos os lados, mas só talento não basta. “A formação da família é importante. O Alisson, por exemplo, já trabalhava quando começou a jogar bola e os pais sempre estiveram ao lado dele. Tenho certeza que se ele não conseguir ser um jogador profissional, será uma excelente pessoa. A família sempre o ajudou.”, analisa Afranio.

O incentivo ao esporte é outro fator de grande relevância. Por mais que exista uma lei, com este nome, é difícil trabalhar na formação de jovens atletas. Afranio trabalha como professor, mas poderia estar na busca de garotos que formassem uma equipe e representassem a cidade. “Voltei para Frutal e ninguém me procurou para desenvolver um projeto com crianças e descobrir novos talentos, aí fica difícil mexer com futebol.”, conclui.

É possível transformar sonhos em realidades, mas, primeiro, é necessário transformar aspirações em realizações. Apoiar, incentivar o esporte. Se virão atletas bons ou ruins, é secundário. A formação como cidadão vai além. Sonhar não faz mal algum, pelo contrário.