Por Lausamar Humberto
No dia 04 de julho de 2062, na mesa redonda esportiva de maior audiência dos canais esportivos, um respeitável senhor careca relembrará a noite e os dois gols que o transformaram no Sheik das Américas, cinquenta anos antes.
Uma decisão como a de um ano atrás reverbera décadas e séculos à frente. E é ingenuidade pensar que a historia de um jogo desses pode ser contada apenas pelos seus 90 minutos. As partidas que entram para a história têm história.
O título da Libertadores e sua repercussão na torcida corintiana só teve esta marca apoteótica pela obsessão que esta conquista havia se tornado. E se é possível apontar o início de uma obsessão, arrisco a data de 16 de dezembro de 1990.
Neste dia, um franzino rapaz de cabelos fartos e esvoaçantes marcaria seu nome no panteão de heróis corintianos. Tupãzinho faz o gol necessário para dar o título brasileiro, vencido em cima (ops, em cima não pega bem), vencido contra o São Paulo. Aquela equipe, comandada pela esquerda poderosa de Neto, deu a impressão de que a Libertadores seria possível. Era a primeira conta de um rosário de fracassos.
Pra piorar a vida dos sofridos corintianos, o São Paulo desembestou a ganhar a competição. O Santos, depois das décadas do Gênio, também veria surgir um geniozinho para ganhar o terceiro caneco para o time praiano. E com o Palmeiras a coisa era ainda pior. Vencera em 99, eliminando o Corinthians nas quartas-de-final. E, no ano seguinte, na semifinal, eliminou um dos melhores times da história do Parque São Jorge, que tinha Dida, Fábio Luciano, Kléber, Vampeta, Ricardinho, Marcelinho Carioca, Luizão e Edílson. As conquistas dos rivais aconteciam, e a obsessão inflava.
Em 2008, quem sonhava com a América teve que se contentar com o título da 2º divisão. Depois do ano negro de 2007, começava ali a construção da equipe que poria fim ao tormento.
Libertadores, para se conquistar, é preciso disputar. E foi assim em 2010, 2011 e 2012. Em 2010, ano do centenário, eliminado pelo Flamengo. Em 2011, a vergonha que parecia ser o fundo do poço, mas que apenas fortalece a vontade, que fomenta a obsessão. No comando do vexame, o mesmo Tite tanto celebrado depois. Tinha acabado de ser eliminado pelo Tolima, perdia Ronaldo e Roberto Carlos e enfrentava o Palmeiras dali a quatro dias. Uma derrota seria a degola. A derrota não veio. E a diretoria, nesta e em outras crises, bancaria Tite.
Anabolizado pela conquista do Brasileiro de 2011, o Corinthians começa a Libertadores vendo o Santos como o grande favorito para conquistar o bi consecutivo. Neymar já se instalara com desenvoltura na condição de melhor jogador brasileiro. O confronto ficou para as semifinais.
Foram jogos duros. Não o grande espetáculo que se esperava, mas duelos que se desenvolveram como verdadeiras partidas de xadrez, com o timão utilizando com devoção a chamada obediência tática. Emerson brilha na vila e o time do melhor do Brasil estava fora. Para a glória, faltava apenas o duelo com o bicho papão de brasileiros na Libertadores.
Neste ponto, sabemos hoje, os deuses dos estádios já haviam escolhido o seu eleito. E botariam seus dedos na primeira partida, em Buenos Aires. O jogo, no mítico La Bombonera, um dos poucos estádios temidos no mundo, veria o surgimento de um herói improvável. Romarinho, diminutivo de um craque maiúsculo, é daqueles predestinados da estirpe de um Basílio, de um Viola. A mística esportiva adora estas aparições. Vindo de uma Palestina interiorana apaziguada, faria o gol que permitiria mais tranquilidade no confronto do Pacaembu.
Neste palco genuinamente corintiano, o Sheik brilhou. Primeiro tempo esquecível. Vem o segundo. Depois de um passe de calcanhar de Danilo, emulando o ídolo Sócrates, Emerson abre o placar. E o prego no caixão do Boca viria logo depois. E vem de forma a permite ao torcedor o deleite da consagração. Schiavi, experiente zagueiro de 39 anos, erra o passe no meio do campo e Emerson fica com a bola. Vai dar três toques, antes do chute final. E seu percurso no campo é acompanhado por oitenta mil olhos no estádio e milhões espalhados por este Brasil de meu deus. Cada passada antecipa o resultado final. O arranque é certeiro. O homem que sabe ganhar títulos, que é decisivo, não vai errar essa. O gol é eminente, todos percebem isso. Sosa sai no abafa. O toque é dado no seu canto esquerdo. Explosão no Pacaembu.
O título veio. Sem dor, sem angústia, sereno, equilibrado, invicto. Contando com um jogador predestinado e com outro que é praticamente um amuleto para aqueles times que querem ser campeões. O título veio para a equipe que venceu a obsessão sem susto, que foi senhora da competição em todos os momentos. O sofrimento ficou para os que torceram contra. Nunca foram tantos. Não podia ser diferente. Assim é que epopéias são escritas.
Em dezembro, viria o título mundial. Mas aí já é outra história...
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