Por Alaor Ignácio
O gato recortado daquela revista, apesar de banal, deu certo ar de graça na naquela parede lisa e lambida do acesso àquela casa. Tendeu ao estável, onde havia um lapso, mas só melhorou um pouco. Aquela família, afinal, perante as cismas ou os enigmas, na certa desejaria colocar aquela outra garça branca, à venda para jardins naquelas casas de flores. Na falta é que foi o gato.
O acesso àquele átrio, de fato, nada tinha a ver com aquilo. O fato é que posta, a estampa clareou o ranço naquilo que lhe foi possível: assim, “sem vida”. E embora aquilo não fosse coisa que se fizesse, conferiu certa beleza à vida, perante aquela porta óbvia. Outro trânsito, quem sabe para um sonho indomável de decoração, feito os cavalos do quadro que corriam na parede na cozinha.
Aquilo, naquilo, daquilo outro. A família adorava colecionar pronomes e adornos das lojas de 1,99. “Bonitinhos” objetos que levavam o solitário pinguim da geladeira a tapar os olhinhos com as asas pretas. Às vezes por ciúmes, outras por vergonha.
Surgiu a banda, com bonequinhos colecionados um a um para a composição “certinha” da melodia. Todos compenetrados em seus instrumentinhos feitos do mesmo plástico que os músicos. A dona da casa tinha certo xodó pelo saxofonista, porque o achava romântico. “Acho romântico”, dizia, com seus olhinhos esperançosos. E da prateleira de mão francesa (R$ 7,80, uma pechincha) eles tocavam, tocavam, tocavam aquela melodia inaudível, que somente os apreciadores de bibelôs conseguem ouvir.
A filha, universitária, aprendera sobre o kitsh na escola. Achava aquilo kitsh, careta, zoado, cafona. E chegava, às raras vezes, até a esboçar uma crítica de arte (“credo, mãe”), quando lhe sobrava um tempo para tirar os dedos e olhos fixos do celular ininterrupto.
Para o pai, era “coisa da mulher”. Se extraviasse os pensamentos com quadros de coisas e cores, flores fakes ou enfeites quem haveria de ligar a televisão às 10 e desligá-la às 22 nos domingões, quase intermináveis?
A vida é longa, e aqueles trecos, cacarecos, vevecos e lindezas são pedaços da composição de uma existência. Cada qual com sua história e função, sua arte e encantamento. Alguém os herdará, profetiza a mãe orgulhosa.
Daquela data pra cá, a cola do gato não soltou, e continua aguçando a visão de quem passa naquilo. Tá lá o gato naquilo que se chamou moldura, aquilo outro e aqueles. Efêmeros são os que compreendem a arte de resistir às facilidades para deixar “tudo mais bonito”. Os sábios vão embelezando o mundo. Uma rosa acrílica ali, um pôster da dupla aqui, um sonho de comprar um quadro novo acolá. Assim “tudo dentro do possível”...
Postar um comentário