Por Mariana Nogueira
Uma larga porta com abertura central dá entrada para uma sala aconchegante. Encostado na parede, está um piano vertical que acolhe diversos porta-retratos da família. Uma sala comum, de uma família de classe média. Contrariando os tons neutros da sala, neste primeiro encontro Ciça veste um colorido blazer com estampa floral e jeans. Os cabelos bem penteados e a maquiagem recente denunciam que acabara de se arrumar para a entrevista.
Em uma tarde quente, ainda em 2013, Maria Cecília Marchi Borges, a Ciça, cinco décadas de vida, ex-prefeita de Frutal, abriu as portas da sua casa para uma série de entrevistas. Entre política, família, cuidados com a casa, filhos e projetos para o futuro, a primeira mulher a ser chefe do executivo de Frutal fala sobre certezas, dúvidas, acertos, erros, passado, presente e futuro. Do seu modo, sempre sorrindo e com a fala no mesmo tom tranquilo, quase sem variações, descreve o seu jeito de lidar com o poder.
Veias políticas
Em três de outubro de 2004, Ciça foi eleita prefeita de Frutal. Pela primeira vez uma mulher assumia o cargo mais alto do executivo frutalense. Mas foi bem antes disso que a política entrou na vida de Ciça. Foram seus avós, o paterno Artur Marchi, e o materno, Alcides Brito, que deram início à carreira política da sua família. Ambos atuaram de maneira indireta no cenário político em Frutal. Outra figura política da família foi o tio materno Celso Arantes Brito, prefeito de Frutal por três vezes.
As primeiras atuações de Ciça na política, se assim podem ser chamadas, foram nos diretórios acadêmicos em escolas como a escola estadual Maestro Josino de Oliveira e o colégio Presidente Vargas, nos ensinos fundamental e médio, além da participação no diretório do Centro Universitário Barão de Mauá, em Ribeirão Preto – SP, onde cursou a graduação em Biologia.
"Pelo amor de Deus, não mexa com isso", dizia Ciça, em meados dos anos 90, quando, já casada com o médico Luiz Antônio Ferreira Borges, o Zanto, via a possibilidade do marido se tornar candidato a prefeito de Frutal. Não era só uma questão de não apoiar a candidatura do esposo, mas de entender bem o jogo da política. As experiências passadas com os familiares políticos ainda eram vivas na memória.
O conselho da esposa não adiantou. Zanto foi eleito em 1992 como vice-prefeito na chapa encabeçada por Toninho Heitor. E Ciça assumiu a Secretaria de Promoção Humana. Em 1997, o marido se tornou prefeito e ela continuou com a secretaria, e esse foi o cargo que fez com que ela se aproximasse do povo, da população mais carente, o que lhe daria uma marca e uma reserva de votos no futuro.
Em 2002, a candidatura para deputada estadual aconteceu, a eleição não. O partido? PMN (Partido da Mobilização Nacional), que foi escolhido ao acaso. Na verdade, foi escolhido por Ciça porque era o único partido sem indicação ao legislativo estadual. Foi uma forma pacífica e discreta de entrar na política. O sangue político que corria nas veias agora estava despontando.
A distância entre Ciça e o poder diminuía. Em 2003, a filiação ao partido PR (Partido da República), o antigo PL (Partido Liberal), levou-a a se candidatar para a prefeitura de Frutal em 2004. Foi eleita com 40% dos votos. A reeleição, em 2008, aconteceu de forma natural, exceto pelo fato dela ter sido a primeira a realizar este fato, já que o prefeito Toninho Heitor, que poderia ter tentado a reeleição em 2004, não se candidatou. Assim, um ciclo de oito anos se completaria.
Questionada sobre que marca caracteriza este período, Ciça diz: “a marca do meu governo é o trabalho”. Mais adiante, será possível entender porque ela pensa assim.
O futuro? Ciça continua no mesmo partido, o PR, e pode concorrer nas próximas eleições a um cargo no poder legislativo estadual ou federal, nada definido. “É uma eleição grande, que demanda uma logística e um planejamento muito grandes, principalmente financeiro”, desabafa. Ciça reconhece que foi conquistada pela política. E que estará atuante nas próximas eleições. De que forma? o tempo dirá.
A Prefeita
"Um líder eleito pelo povo trabalha para o povo", diz ela. No dia 3 de janeiro de 2005, segunda-feira, Maria Cecília acordou cedo para cumprir seu primeiro dia oficialmente como prefeita de Frutal. “A cidade está em minhas mãos” foi a primeira coisa que ela pensou, antes de seguir para o pátio da prefeitura, local que seria seu gabinete até o dia 8 de março daquele ano. A sede da prefeitura estava em reforma.
Ao assumir o posto, Ciça tinha a lembrança da experiência do marido como prefeito. E um problema ocorrido na administração Zanto lhe tirava o sono: o atraso no pagamento dos funcionários da prefeitura. Por isso, tinha um objetivo: “eu tinha uma prioridade: pagar todos os servidores em dia, e eu levei isso até o último mês de governo, em dezembro de 2012. Nunca os salários atrasaram.”, enfatiza. “Eu não podia deixar um servidor do município sem os seus direitos garantidos. São pais e mães, são famílias que dependem desse pagamento”, conta e gesticula levando a mão ao peito, deixando no ar aquela ideia de "não faça com os outros, o que você não quer que façam com você". E completa: “o que é justo, é justo”.
Para manter as finanças em dia, Ciça defende seu método: "é preciso cuidado com cada centavo. Não está se gastando muito com tal produto? Desliguem as luzes desnecessárias. Foi assim, avaliando cada empenho a ser pago, que consegui manter as contas todas em dia".
Desde o início, Maria Cecília decidiu abrir as portas da prefeitura para a população. Às quartas-feiras as portas do gabinete estavam realmente escancaradas. Qualquer cidadão que chegasse por lá seria recebido pessoalmente pela prefeita. Seus principais assessores também ficavam a postos, pois a qualquer momento podiam receber um telefone ou um bilhete com um pedido de providência para resolver um problema levado ao conhecimento da prefeita por um cidadão.
Quem vota, deposita um voto de confiança. Quem é eleito, tem a obrigação de fazer com que seus eleitores se sintam amparados pela escolha que fizeram, assim pensa Ciça. Na sala de espera do gabinete, era possível observar pessoas de todas as classes sociais com os pedidos mais diversificados. As 8h da manhã a sala já estava cheia.
Em grupos, as pessoas entravam e conversavam, explicavam a sua situação e porque tiveram de recorrer à Prefeita. Ciça ouvia, anotava e na maioria dos casos, ligava para alguém. Esse alguém era a pessoa que iria lhe ajudar a resolver o problema daquele cidadão. A cena se repetiu até a última quarta-feira de seu mandato.
O trabalho na Secretaria de Promoção Humana, iniciado no governo Toninho Heitor, levou Ciça a se aproximar das pessoas mais pobres e dos seus problemas. Ao descrever uma imagem que nunca lhe saiu da sua cabeça, Ciça demonstra um semblante comovido. Um dia, uma mulher grávida, andarilha que estava passando por Frutal com um filho pequeno nos braços, estava tomando banho em uma torneira, na rua, em frente ao prédio da Promoção Humana, onde hoje está localizada a Unidade Básica de Saúde Sandoval Henrique de Sá. Vendo a cena, Ciça, mãe de dois filhos pequenos, teve a certeza de que o seu trabalho era essencial para pessoas como aquela mãe. Quase vinte anos depois, a imagem continua muito clara na mente de Ciça, que não se importa se aquela pessoa é de outra cidade. "Enquanto ela estiver em Frutal ela vai ser tratada com dignidade". Ciça encaminhou-a para o prédio da Promoção Humana, mas a mulher se recusou a receber ajuda.
Maria Cecília tem orgulho do Albergue Municipal, inaugurado em 2006, “A vida pública faz de você um instrumento para servir às pessoas”. O albergue tornou possível oferecer uma cama, um banho quente e um prato de comida para essas tantas pessoas com vidas itinerantes. “Que futuro essa mãe vai dar a seus filhos?”, “Que oportunidades oferecer para essas crianças?” reflete.
Ciça gosta do contato direto com as pessoas. Seu número de celular é quase público. Faz questão de retornar todas as chamadas que, por algum motivo, não pode atender na hora. Conversa com o cidadão em qualquer canto. E as pessoas a procuram, inclusive na casa dela. Ainda hoje, não raro o telefone toca e, do outro lado da linha, pessoas aflitas fazendo pedidos para a ex-prefeita. Ciça diz ter consciência de ser ex, mas que procura resolver os problemas que batem à sua porta.
Já no fim de uma entrevista, a campainha da casa de Ciça toca e ela mesma atende. No portão está um senhor bem simples, aparentando ter mais de quarenta anos, talvez cinquenta. Ela o convida para entrar e se senta com ele no sofá, exatamente onde ela estava sentada durante a entrevista. O senhor, muito falador, logo começa a se explicar, enquanto Maria Cecília anota tudo. O pedido? O emprego de volta. Ele acabara de ser demitido e precisava do emprego para sustentar a família. A saída? Ir pedir à “madrinha”. Ciça pegou o seu smartphone, e usando o whatsapp – um aplicativo de mensagens – mandou um recado ao atual prefeito de Frutal, Mauri Alves, para que ele atendesse com atenção esse caso.
Na entrevista seguinte, perguntei-a se o caso havia tomado um rumo, e ela respondeu: "fiz a minha parte, acho que tudo se resolveu porque ele (o senhor que havia perdido o emprego) não voltou aqui". E esse é um procedimento ainda corriqueiro. Quando Maria Cecília não consegue uma solução para o problema das pessoas, essas pessoas costumam bater novamente à sua porta, para tentar entender o que pode ter dado errado.
E por que madrinha? Na época em que Zanto era prefeito, Ciça era chamada de madrinha por alguns “meninos”, como ela mesma diz, que trabalhavam no pátio da prefeitura. O apelido carinhoso ficou e ela ganhou uma dúzia de afilhados de verdade. “Dizem que a madrinha é segunda mãe, fico muito feliz de saber que me escolheram pra isso”. Quanto ao apelido, ela não se envaidece, considera como um carinho que as pessoas têm por ela.
Ciça continua muito próxima da população. Tem um jeito de receber as pessoas, abraçá-las e se comprometer a ajudar, o que faz com que qualquer um não hesite em procurá-la. Os adversários dizem ser populismo. Ciça rebate: “poder público quer dizer responsabilidade. Você lida com seres humanos, pessoas com sentimentos, dificuldades e histórias de vida. São pessoas que te escolheram para estar ali, representando-as” ela conta, gesticulando e franzindo o cenho, para enfatizar sua posição.
A mulher
Segunda de quatro filhos, sempre teve boa relação com a família, com um pai muito presente e uma mãe muito dedicada. "Aprendi muito com meus pais, principalmente a compreender as fases do ser humano, e assim, crescer uma pessoa feliz. Sou realizada como mulher e como mãe”, diz.
Brincando, Ciça conta como é a sua relação consigo mesma: “mulher é assim, tem que se cuidar, estar atenta ao mundo, moda e tem que cuidar da saúde”. É um lado que as pessoas não conhecem, porque é vista sempre bem arrumada e sorridente. “Lógico que eu acordo e me vejo cheia de defeitos, acho que o cabelo não tá bom, que posso perder uns três ou quatro quilos”.
Idade não é problema. "A idade chega mesmo, sem dó nem piedade, deixa as marcas do tempo na vida, principalmente das mulheres". Atividade física? Pedalar. É muito fácil cruzar com Maria Cecília pedalando sua bicicleta pelas ruas de Frutal. Faça chuva ou faça sol, religiosamente, ela sai de casa no fim da tarde e pedala por algum tempo. “Mulher tem que ter vaidade, então eu me cuido, a gente precisa estar bem consigo mesma pra estar bem com os outros”, defende.
Ciça, como uma grande parcela das mulheres modernas, executa vários papéis, e o de dona de casa é apenas mais um deles. Faz o que precisar: arruma a casa, lava, passa e cozinha, “adoro cuidar da casa, mesmo com a Neide – sua parceira nos afazeres domésticos – eu faço as coisas, a gente precisa saber fazer, não é mesmo?”, conclui ao mesmo tempo em que questiona.
Maria Cecília tem fé, e muita. Pude notar isso, lá em 2011, no altar cheio de imagens sacras em seu gabinete.“A gente precisa de fé pra superar as dificuldades”. Ciça acredita que a fé move montanhas. Para ela, há tantos problemas no mundo, e é preciso crer, acreditar em algo para que se tenha força, “a fé dá uma condição maior para seguir a sua vida”.
A mãe
"Depois que você tem um filho, você passa a ver o mundo de outra forma". Mãe de dois filhos, Leda, 26 anos, e Luiz Antônio, 23, Maria Cecília se considera uma mãe muito participativa e amiga.
Quando era jovem, Ciça teve uma educação bem diferente da que dá aos seus filhos. Da educação “fechada” ficou o fundamental (respeito, carinho, amizade). Ela diz ter se atualizado:“mudou muita coisa em 30 anos né”. E se os tempos são outros, ela se adaptou às modernidades e as usa em seu favor, “hoje é mais fácil estar presente na vida dos filhos, tem celular,whatsapp, internet”, completa.
Mãe é mãe. “A minha mãe foi excelente na minha educação e dos meus irmãos. Ela era educadora, então nos criou de um jeito muito especial”, ressalta Ciça. Para ela, mais importante que educar é ensinar o caminho certo. “A gente educa e instrui, mas são eles que escolhem que rumo seguir na vida”. Ciça deixa a impressão de que se sente feliz com a estrada que os filhos estão trilhando. “Filho é pro mundo”.
Erros e acertos
Ciça é firme ao dizer que não se arrepende de nada que fez durante os oito anos de governo. Indagada sobre questões polêmicas de seu mandato, titubeia em alguns momentos, mas responde a todas as perguntas. Estas questões foram deixadas propositalmente para o fim da última entrevista, numa dessas tardes calorentas de Frutal.
"Governo Assistencialista". Esse foi uma das críticas mais fortes que o governo Ciça recebeu. O que ela acha disso? "Foi um governo que viu o lado humano, um governo fraternal. As pessoas passam muitas dificuldades. É dever do poder público auxiliá-las no que puder" .
Já em relação ao concurso público anulado, que aconteceu em 2005 e que preencheria vagas na prefeitura, Maria Cecília é categórica: não se arrepende de não ter anulado o concurso quando os problemas foram apresentados ou após a primeira derrota da prefeitura na justiça. "Confiei e confio no meu assessor jurídico". O caso durou quase oito anos, e só em setembro de 2013 que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais anulou o concurso e decidiu que o dinheiro deveria ser devolvido aos inscritos. O assunto muda o tom do bate-papo, mas Ciça afirma que acatou todas as informações passadas pelo advogado Marco Aurélio: “como prefeita, não via nada de errado no contrato com a Unicon (empresa que realizou o concurso)”. Entre as irregularidades apontadas está o favorecimento de candidatos, vazamento de gabarito e a falta de licitação para a contratação da empresa.
"Foi uma forma de me atingir politicamente", manifesta-se Ciça sobre a CEI do Frei Gabriel. A Comissão Especial de Investigação foi instaurada para averiguar supostas irregularidades no Hospital Municipal Frei Gabriel e na Sociedade Amigos do Hospital São Francisco de Assis, e entre as questões levantadas está o pagamento de salários estratosféricos a médicos. Maria Cecília é enfática ao defender a si própria e o hospital Frei Gabriel: “Frutal pode se tornar polo regional de saúde, o Frei tem condições de se tornar isso. A saúde é muito cara. Qualquer análise apontará que os salários pagos estão na média regional."
Maria Cecília tem seu nome envolvido em treze processos judiciais. Os citados acima são os de maior repercussão e importância. Ao fazer um balanço da sua relação com o poder ela afirma estar satisfeita com o resultado positivo que teve ao deixar o cargo.
O futuro
O que será a partir de agora? Empolgada, Ciça fala do seu novo projeto, uma loja de calçados femininos junto com a sobrinha. Candidata e empresária? 2014 reserva um leque de caminhos para Maria Cecília Marchi Borges, e qual deles ela irá trilhar é uma questão em aberto.
Ciça está bastante confortável com a sua situação atual. Encara os papéis de mãe, esposa, mulher e ex-prefeita com bastante jogo de cintura. Sabe que é uma figura importante na história recente de Frutal. Quem implorava para o marido não entrar na política, agora deixa bem claro que dificilmente sairá.
Só mais uma...
Uma figura política: Juscelino Kubitschek.
Atriz: Aracy Balabanian. Marília Pêra, Glória Pires.
Ator: Antônio Fagundes, Mateus Solano, Tony Ramos.
Um filme: Uma linda mulher.
Uma comida: Feijoada, embora eu coma de tudo.
Uma cor: Azul.
Um livro de cabeceira: Bíblia.
Leitura: VEJA, artigos da Folha.
Mulher que inspira: Dilma Roussef, Marta Suplicy, Zilda Arns, e, em Frutal, Irmã Sueli e Dona Deusmanda.
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