Marcos Uchôa - "O jornalismo me escolheu

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Por Edwaldo Costa e Isabela Chagas

Marcos Uchôa nasceu na cidade maravilhosa e tem 55 anos. Estudou Ciências Sociais por um ano, na Universidade Federal Fluminense, e dois de Medicina, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Depois entrou para Comunicação Social e formou-se em Jornalismo, na Faculdade Hélio Alonso, em 1984.

Em entrevista para o Jornal 360º, o correspondente internacional da Rede Globo fala sobre sua profissão.

Por que escolheu a carreira de jornalista?
Eu sempre lia muito jornal em casa porque a minha mãe assinava o Jornal do Brasil, que era um grande jornal na época. Mas eu não imaginei ser um jornalista. Primeiro fui fazer Ciências Sociais, depois Medicina. E na verdade eu só fui fazer Comunicação porque a minha mãe estava "danada" comigo porque eu começava e depois abandonava meus cursos de graduação. Então, comecei a fazer Comunicação para acalmá-la, ela ficou meio ressabiada, tinha deixado a Medicina e praticamente toda mãe quer um filho médico (risos). E eu tinha uns amigos que faziam Comunicação, e isso explica o porquê que eu demorei tanto para me formar, demorei seis anos, eu trancava a matrícula quase todo semestre. Confesso que não foi uma vocação, foi uma coisa que aconteceu. É claro que eu sempre gostei de ler, ler muito, mas não posso dizer que escolhi essa carreira, posso dizer que essa carreira é que me escolheu de certa maneira.

Como foi seu início?
Comecei por meio de concurso em 1983, na TV Manchete. Lembro que nessa época eu não era nem formado e concorri com uns 500 candidatos, desses ficaram 60 para fazer um curso e depois foram selecionados apenas dois. Contrataram eu e uma garota. E como ela não entendia muito de esporte, eu que fui cobrir os eventos esportivos que estavam acontecendo. Eu assinei contrato mesmo só no início de 1984. Eu fiquei lá apenas três anos. Em janeiro de 1987 eu fui para a TV Globo.

Qual foi a sua primeira grande cobertura jornalística?
Foram os Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984. Mesmo com seis meses de “casa”, tive a felicidade de ter sido escalado para cobrir o evento.

Por que você acha que foi um dos escolhidos para cobrir os Jogos sendo que só tinha poucos meses de profissão?
Eu falava vários idiomas, como: inglês, francês, italiano, alemão e russo. Também entendia de quase todos os tipos de esportes olímpicos. A minha experiência com idiomas está relacionada com as visitas que fazia ao meu pai Pedro Celso Uchôa Cavalcanti Neto, exilado durante o regime militar. A minha ida a Los Angeles foi um privilégio. Também cobri a Copa do Mundo do México em 1986.

Como foi parar na Globo?
Em janeiro de 1987, fui chamado para cobrir as férias de uma repórter esportiva na TV Globo. Em seguida fui convidado para trabalhar na emissora no lugar de um repórter que tinha sido promovido a chefe de Redação. E na Globo aprendi a fazer todo tipo de cobertura, não só a esportiva.

Como é cobrir guerra? Você sabe ou imagina que vai ser escalado?
Normalmente eu sou escalado, mas em várias situações eu peço para fazer a cobertura. Então, é uma mistura das duas coisas, se eu não quiser ir, eu não vou. A TV Globo não obriga ninguém a cobrir uma guerra.

Já sentiu medo ou correu algum risco?
Em qualquer guerra você corre risco. Eu já me senti ameaçado diretamente no Rio de Janeiro fazendo matéria sobre milícias. Isso é assustador, eles conseguem levantar onde você mora, seu telefone e quem são seus filhos. A milícia sabe quem você é, o que você representa. Já numa guerra em outro país não existe nada disso. São outros tipos de riscos.

Como é cobrir uma guerra?
É horrível você ficar vendo gente sofrendo e gente sendo morta. É uma coisa que não faz bem a ninguém. É difícil! E além das pessoas mortas, tem a tristeza entre os vivos, dos parentes, das pessoas que você sabe que estão sofrendo por aquele absurdo, que é a morte daquela maneira. Aquilo te toca, que você se sente mal. Eu já me senti mal. Eu acho difícil um jornalista que vai pra uma guerra, para um tsunami ou algum lugar parecido não ser tocado emocionalmente.

E como é fazer um “ao vivo”/link após cenas “fortes”?
Eu não sou imune à emoção, muitas vezes a pessoa pode notar que eu estou emocionado. Mas, ali na hora, você tem que se controlar, porque no final das contas o importante é você passar a informação. A emoção quem deve passar, mais do que você, é quem você entrevista, com quem você fala. Eu acho que jornalista não é notícia, o que eu sinto ou o que eu deixo de sentir, de verdade, eu não acho importante. Se eu estou numa guerra, foi porque eu quis cobrir, fui quando quis, fui embora quando quis. Muito diferente das pessoas que moram lá, elas não têm alternativa. Nesse aspecto, eu acho que a cobertura de guerra, ultimamente, ficou meio problemática, porque as pessoas acham que o repórter é um herói, e o repórter não deve ser um herói, o herói são as pessoas que moram lá.

Algum país te marcou? 
Vários países me marcaram. Eu acho o Irã, por exemplo, um lugar incrível, sensacional, as pessoas, obviamente não tem nada a ver com o regime. Estou falando do povo, que é incrível, muito criativo e interessante.

Qual dica você deixa para estudantes ou jornalistas que querem ser correspondente internacional?
Acho que não vale só para correspondente, jornalismo tem a ver com informação e com imaginação. Você se imaginar na situação do outro, ter empatia e compaixão por quem sofre ou quem precisa de alguma coisa. E eu acho que tudo isso, informação e imaginação, você adquire com leitura. Não existem truques, os benefícios da leitura é uma das coisas que os pais e avós sempre falavam pra gente. E isso é preciso que seja passado para os jovens de hoje, para que eles não leiam pouco, porque senão vão imaginar pouco. O livro tem esse poder de você imaginar o personagem, imaginar o local, imaginar a situação, é diferente de você ver um filme. E hoje a informação na internet é curta. E qualquer assunto interessante é complexo e qualquer assunto complexo demanda profundidade.