Brincadeira de gente grande (e pequena também)

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Texto: Rafael Del Giudice 
Foto: Even Vendramini

A estrutura é simples. Entre o antigo lixão e a o prédio da APAC, existe uma pista de terra, com mato em volta e sol o dia todo. Aos sábados e domingos a paisagem ganha outros detalhes. Entre os urubus, que ainda procuram alimento, voam alguns aviões pequenos. São conhecidos como aeromodelos. Quem passa pela estrada, ainda de terra, que liga Frutal à Pirajuba, consegue ouvir o som dos mini motores.

O aeromodelismo em Frutal, aos poucos, vem ganhando adeptos e praticantes. Tudo começou há 15 anos, quando Jorge Luiz da Silva viu uma matéria sobre o hobby no programa do Gugu: “Vi a reportagem e fiquei apaixonado. Procurei em revistas, pesquisei e comprei uma planta para tentar construir meu aeromodelo. Seria o primeiro que eu iria ver ao vivo, sem ser o da televisão. Não consegui e fiquei um pouco frustrado”, lembra Jorge.

Depois da tentativa sem êxito, o pioneiro no aeromodelismo frutalense foi até São José do Rio Preto para comprar seu avião. Conheceu um homem que o ensinou a pilotar. Era o Piu. Mas foram poucas aulas. Logo Piu seguiu para um curso de piloto agrícola. “Daí em diante, eu fui meio na raça mesmo. O hobby era mais caro na época, então eu tentei fazer novos modelos. Fui pesquisando até que consegui fazer os meus aviões e voar. Éramos eu e um amigo que hoje mora em Uberlândia, o Alex. Ele mudou-se e fiquei sozinho. Tive de abandonar o hobby por um tempo”, conta.

Neste período afastado do aeromodelismo, Jorge viu que não conseguia ficar sem o hobby. Voltou a fazer contato com Alex e começou a tentar convencer os irmãos a praticarem. Tudo para que a atividade não morresse na cidade. “Meus irmãos aprenderam e a gente começou a voar lá no aeroporto. Um dia o Frank – aponta para o amigo – estava passando por lá e falou que tinha um aeromodelo parado há mais de um ano. Falamos pra ele trazer e, pouco tempo depois o grupo já ganhava novos integrantes”.


Aeromodelo desde cedo

Quem chega à pista dos aeromodelistas encontra sempre alguns carros -  que servem também para recarregar as baterias dos aviões -, barracas para proteger do sol forte e o zunido marcante dos modelos. Entre os membros do grupo, Eduardo Henrique Grecco Lopes, é o mais novo. Aos 12 anos ele comanda seu aeromodelo com a experiência de quem pratica há muito tempo.

Fanático por aeromodelismo, o garoto não parou quieto enquanto estávamos no local. De repente estava no meio da pista com um avião. Num piscar de olhos já vinha junto dos carros para recarregar as baterias dos aviões elétricos. E dali, já ia ajeitar tudo no avião à combustão. O que importa aos finais de semana é voar. Importa tanto, que Eduardo ficou no meio de um redemoinho de poeira que se formou enquanto estávamos no local. Detalhe importante: mesmo com o olho irritado pela poeira, não deixou o avião cair.

Peço uma entrevista. Prontamente o menino atende ao pedido e conta como surgiu o interesse pelo hobby: “Eu vi um vídeo no youtube e gostei. Pedi um aeromodelo de presente para o meu pai. Depois que ele me deu começamos a praticar com o Jorge. Já faz uns três meses que eu piloto”, conta o garoto, meio apressado e ansioso para voltar a pilotar.

Mais uma pergunta e Eduardo conta que no começo Jorge o ajudou muito com aulas, dicas e manutenção. Hoje, se seu aeromodelo der algum tipo de problema, o menino não passa por dificuldades: “Os modelos elétricos eu consigo arrumar sozinho. Quando é alguma coisa com os de combustão, peço ajuda ao Jorge ou a alguém da turma. Todo mundo aqui se ajuda e isso facilita muito”, diz o menino que hoje tem cinco aeromodelos. Dois à combustão e três elétricos.


Como funciona o mundo do aeromodelismo

Se você pensa que o fato de um garoto saber fazer a manutenção e pilotar um aeromodelo, torna a máquina fácil de manusear, está enganado. O modelo elétrico é menos complicado e necessita da bateria, do controle e da frequência correta para funcionar. Além, é claro, de muita prática.

Já o aeromodelo movido à combustão tem praticamente a mesma estrutura de um avião de voo normal. Motor, estrutura de pouso, combustível. Tudo cópia em miniatura dos aviões que vão de um lado a outro do planeta.

Jorge produz aeromodelos para quem deseja: “Um estilo treinador, que serve para o aluno iniciante, sai R$850,00 e mais uma taxa simbólica para quem quiser ter aulas. Parece um valor alto, mas, em termos de aeromodelismo, não é. Já vi aeromodelos custarem até R$160.000,00 sem exagerar”, afirma.

Os modelos que fabrica são feitos com depron. “Aquela caixinha de isopor que traz o lanche”, explica. As chapas têm de 4 a 5 milímetros e tudo é feito manualmente. Os outros membros do grupo contam que já desenvolveram algumas ferramentas para auxiliar na produção. Outro material indicado para um aeromodelo é a madeira balsa. “Com a balsa já é mais complicado, para o piloto mais experiente. É claro que fica um trabalho mais detalhado, mais bonito. Mesmo assim, os que a gente produz não deixam nada a desejar e voam como qualquer outro”, comenta Jorge.

Depois de ter o avião, o praticante precisa, é claro, de uma pista. O local onde o grupo se encontra atualmente é bom, mas estão à espera de melhorias: “Antes a gente voava no aeroporto. Viemos pra cá depois da proibição do uso da pista. Desde então estamos tentando conseguir asfaltar aqui e construir uma estrutura pequena, mas ideal para a nossa prática. A prefeitura disse que vai nos ajudar. Estamos esperando”.


Fim do dia, compromisso firmado para a próxima semana

O sol começa a se pôr e o dia termina. Em meio às inúmeras curiosidades, Jorge ainda fala de alguns modelos projetados por ele e pelo amigo Emerson, de Itapagipe. “O Emerson tem um modelo que você pilota através de um óculos. É uma simulação mesmo, tem que ter muita noção”.

Essa sensação de pilotar, além de distrair, constrói sonhos. O garoto Eduardo, aquele que esteve no meio do vendaval, sonha em ser piloto. Para ele, a sensação de estar ali todos os finais de semana é igualzinha a de pilotar um avião de verdade.

Mas a sensação não pode ser definida apenas com as palavras. Jorge tentou me ensinar. Disse pra tocar de leve no controle na hora de fazer as curvas e para tentar manter o avião no ar. Os pouco mais de cinco segundos que o aeromodelo esteve sob meu comando certamente foram de grande emoção para a imaginária tripulação. Antes que um desastre maior acontecesse, Jorge reassumiu o controle.

Perguntado sobre mais alguma história, ou fato sobre o tema, Jorge é interrompido pelo amigo Frank: “Mais alguma coisa? Só esperar o próximo final de semana chegar para brincar de novo. E você pode voltar, chama o pessoal. Vem aqui com a gente, é muito bacana”.