Jornal 360 - 15ª Edição

Editorial: Investimento no diálogo

Posted in Marcadores:


















Nesta edição do 360, o jornal traz uma reportagem sobre a difícil situação do sistema educacional. Não é apenas o ensino, não é apenas a qualidade, não é apenas mais um triste retrato da realidade. A situação chegou ao ápice. Violência e falta de respeito que nunca combinaram com a escola, agora são pensados juntos da educação. Eram opostos. Hoje, quase sinônimos.
Verdade seja dita: a violência não existe a partir de agora. E o saudosismo também não cabe. Dizer que antes era melhor, era assim ou assado, é muito fácil. Lamentar é fácil. Há a necessidade de se pensar o ensino, o investimento, a sociedade.
O governo federal aumentou o investimento em educação. Os índices de educação sobem, mas, a realidade vivida pelas instituições de ensino ainda é temerária. E culpados – acusados? Não faltam. A escola fala do desinteresse do aluno, a família da falta de estrutura da escola, os professores da não valorização. E enquanto isso os alunos seguem nas distrações da vida de quase adolescentes.
O caminho para melhorias e uma real situação satisfatória parece ser complicado de encontrar, mesmo assim, existem possíveis saídas. Uma delas, a maturidade. Maturidade de entender os problemas, maturidade e capacidade de autoavaliação de todos os envolvidos: gestores, pais, alunos e professores. Junto da maturidade, vem também a humildade para reconhecer que as melhorias só irão acontecer quando todos falarem a mesma língua. Quando cada um entender o seu papel enquanto cidadão e, mesmo com situações adversas, tentar melhorar.
Maturidade e diálogo são, portanto, pontos extremamente necessários para melhorias, reivindicações e, acima de tudo, o Brasil, Minas Gerais, ou Frutal terem uma educação de qualidade, onde o medo e a violência não continuem sendo tratados com naturalidade. Em Frutal, ainda que embrionário, o diálogo parece começar a acontecer depois dos casos e brigas. Se dará certo ou não, veremos.

Mau comportamento nas escolas: educação à prova

Posted in Marcadores:



















Por Rafael Del Giudice e Thaiz Beltrão

A atual situação do sistema educacional brasileiro traz à tona a necessidade de uma discussão aprofundada sobre as prioridades de investimentos nacionais. Mesmo com o aumento no repasse para a educação, o Brasil ainda sofre com problemas no setor.

Segundo números da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgados em setembro de 2013, o país elevou de 5,8% para 6,1% os investimentos totais para a educação em relação ao produto interno bruto (PIB). O percentual chega a ultrapassar o de países como Hungria, Itália e Suíça, mas, ainda assim, é pouco.
Além do mau desempenho em testes internacionais, a educação brasileira vem apresentando um grave problema com consequências sabidamente ruins: o alto grau de indisciplina nas salas de aula.

Se a realidade nacional é complicada, a municipal não foge à regra. Frutal apresenta alguns problemas que merecem atenção especial por parte da comunidade e de seus gestores. Há dificuldade no relacionamento entre aluno e professor, na escola com os pais, e esse ciclo gera um sentimento de medo e descaso com a educação.

Recentemente, dois casos em frente à Escola Estadual Maestro Josino de Oliveira ganharam repercussão e chamaram a atenção não só de quem faz parte da realidade da escola, mas de todos os frutalenses. Em uma briga, marcada através das redes sociais, uma aluna foi agredida com um soco inglês. Em outro fato, os alunos rasgaram livros em frente ao prédio escolar.

Este desrespeito entre os alunos e para com a escola levantam algumas hipóteses: uns dizem que há desinteresse dos alunos, outros falam na não valorização do profissional da educação, há também quem diga que a família deve ser mais presente no cotidiano dos estudantes e ex-alunos do colégio lembram que antes havia mais rigidez e normas na escola. Mas afinal, a situação melhorou, piorou ou passou por transformações?


A educação de antes era melhor do que a de hoje?

Cinomar Lopes é diretor da escola e fala sobre o atual cenário: “hoje o aluno tem muito mais direitos em relação à escola. Antes, havia um vestibulinho para selecionar os estudantes do Estadual, hoje não. Era necessário estar de uniforme para poder entrar nas aulas, hoje não. Enfim, havia mais rigidez. Os programas de inclusão têm bons propósitos, mas acredito que houve um resultado inverso do esperado”, diz o diretor.

Ele não defende a volta do vestibulinho como forma de seleção para os alunos, mas admite que antes o interesse era maior: “o vestibulinho era, de certa forma, discriminatório. Mesmo assim, a diferença é notável. Antes havia o interesse em aprender, a obrigação da nota para passar de ano. Hoje o aluno pode progredir as séries e continuar devendo matérias, então ele pensa e age da maneira mais cômoda, porque alguns ainda não têm consciência da importância dos estudos. Nosso trabalho é de conscientização, em todos os sentidos, e esperamos conseguir atrair aquele aluno menos interessado”, comenta.

Para a professora universitária e psicóloga Renata Dias, a diferença entre o perfil dos alunos se dá também pela diferença no modelo das diferentes épocas da sociedade. Segundo ela, antes, o professor era uma das únicas fontes para o conhecimento. Hoje, há uma série de ferramentas tecnológicas à disposição de todos, e a educação deve trabalhar para se tornar interessante e compatível com os dias atuais. “Todos os esforços devem convergir a favor da educação. Com a tecnologia, não é diferente. Ela deve servir como instrumento para alcançar objetivos de ensino e aprendizagem. E pode ser bem utilizada no meio educacional tanto por alunos quanto professores desde que na medida certa”, diz.

Renata fala ainda que o discurso saudosista deve ser mais bem analisado: “antes havia a violência, mas de maneira mais sutil. Havia a violência fruto da exclusão social - somente os filhos das classes mais favorecidas economicamente tinham a oportunidade de estudar - ; a violência do autoritarismo; a violência da arbitrariedade de regras e punições”, analisa.


Investimento e diálogo: os possíveis caminhos

As transformações na sociedade mudaram também a maneira de as pessoas se comunicarem, como pontua a psicóloga Renata. A partir disso, a escola tenta mudar e evoluir, mas, sem investimento, o esforço fica restrito em poucas ações.
Segundo a supervisora do Estadual, Juraciara Matos, há orientação para os professores deixarem as aulas mais dinâmicas. “Esse trabalho é feito, mas é complicado. O giz, lápis e caderno não podem ser deixados de lados. Não é toda atividade que pode ser tratada com dinamismo, e os recursos também são poucos”, avalia.

A supervisora faz menção também aos países com elevadas taxas de qualidade de vida: “se você parar para observar, todos os lugares onde há investimento pesado em educação, há desenvolvimento, há boa qualidade de vida. Um bom professor, valorizado, motivado, pode fazer diferença por toda a vida de um estudante”, diz.

Já para a inspetora de ensino Suzete Machado, mesmo que exista investimento e qualificação, há ainda mais o que ser feito pela educação. “Quando eu penso em educação e nesses problemas que temos enfrentado, acredito que haja uma necessidade de reflexão. Se acontecem desentendimentos, se a relação é difícil, se não há motivação, o que existe é uma falha. É nossa obrigação, enquanto envolvidos com o setor educacional, parar e refletir sobre tudo isso. Não basta dizer que o aluno é desinteressado, que falta investimento ou que a família precisa ser mais presente. Além de investimentos, o diálogo é extremamente necessário”, comenta.

Suzete comenta sobre uma palestra feita em parceria com a Polícia Militar de Frutal, no dia 12 de março. O evento reuniu pais, professores, gestores do ensino e contou também com a presença do atual chefe do batalhão da polícia militar em Frutal, o tenente Leonel Gonçalves dos Santos.

O tenente aproveitou a oportunidade para sugerir a criação de conselhos escolares de segurança, onde atuariam os professores, diretores, pais e alunos. Segundo Leonel, essa seria uma forma de discutir os problemas, buscar soluções e tomar decisões mais acertadas, afinal, seriam mais vozes no debate de segurança pública.

Para Suzete, o caminho para melhorias no ambiente escolar, passa, necessariamente pelo diálogo: “Essas atividades de reunir a comunidade e discutir os problemas são de suma importância. Geralmente são poucos os pais que participam, uns trabalham, outros não vão. Mas dessa vez, até pelos últimos acontecimentos, a presença foi grande. Isso nos ajuda muito a disseminar as informações e a troca de opinião é sempre positiva”, diz.


Briga na porta da escola

Em fevereiro deste ano, uma briga entre meninas assustou a população frutalense. Segundo informações, as garotas haviam planejado tudo através das redes sociais. A confusão terminou com uma menina ferida com um soco inglês (tipo de arma branca).

Depois do incidente, a direção da escola prestou o atendimento necessário. “Nós a socorremos, mas é bom falar que o que acontece do muro para fora, não é de nossa responsabilidade. Demos o apoio necessário por ser aluna da escola e estar com o uniforme, mas situações assim fogem do nosso controle. O que fazemos é pedir o apoio para a Polícia Militar nos horários de entrada e saída, já mandamos diversos requerimentos e, na medida do possível eles nos auxiliam”, diz a supervisora Juraciara.


Alunos rasgaram livros

Outro episódio que chamou a atenção e repercutiu nas redes sociais foi quando os alunos rasgaram livros na porta da escola. Houve uma grande discussão sobre o fato. Uns diziam ser coisa normal, de quem ainda é imaturo e extravasa em alguns momentos, já outros trataram o assunto como uma falta de respeito por parte dos jovens.

Dentro da escola, segundo a supervisora Juraciara, há a orientação para a preservação do material em boas condições, para sua reutilização em anos seguintes. “O que foi destruído, era doação. Só pegou livro na escola o aluno que quis. E lá fora, eles fazem o que querem. A gente orienta e pede o cuidado com o material, mas não conseguimos fazer tudo”, avalia.

Por uma fé lúcida e livre

Posted in

Por Lausamar Humberto

Nesta época, em que questões como o fundamentalismo religioso são amplamente debatidas, a relação entre fé pessoal e fé estatal deve ser discutida.
Muito se tem falado dos males do fundamentalismo islâmico que é o que está mais em evidência, em virtude de sua virulência e fanatismo, mas não se deve deixar nas sombras o fundamentalismo judaico e cristão.
Caracterizados por um conservadorismo e tradicionalismo em relação às questões morais e culturais, os fundamentalistas se negam à modernidade política, já que o pluralismo de idéias e o respeito aos direitos humanos estão em flagrante conflito com a sua inerente estrutura autoritária.
O combate a toda forma de fundamentalismo é das mais importantes tarefas da atual geração da humanidade. O respeito religioso, da escolha e da maneira pessoal de viver a sua fé, ou de não viver fé nenhuma, é das maiores conquistas que um povo livre pode aspirar.
O Brasil é o maior país católico do mundo. Ou, melhor dizendo, é o país de maior população católica no mundo. Durante séculos, o poder brasileiro esteve intimamente ligado aos altos escalões da igreja. Somente no século XX se deu de maneira clara a separação entre Estado e Igreja. Mas as marcas desta longa convivência são fortes até hoje.
Estas marcas são muitas vezes desconfortáveis para quem não professa a fé católica. De maneira implícita ou explícita, normas que deveriam atingir diretamente apenas os católicos, atingem toda a população.
Quando assuntos como aborto,  união homossexual, planejamento familiar são discutidos, sempre há os radicais religiosos querendo impor sua visão. É claro que convicções religiosas estarão presentes nestes debates, e é normal e legítimo que seja assim, mas a tentativa de imposição de uma visão religiosa como verdade absoluta não deve prosperar.
Este é apenas um dos riscos quando se mistura fé e política. A tendência moderna é que cada vez mais estes dois fatores se distanciem, relacionando-se, mas sem se misturar. É neste aspecto que acredito que podemos evoluir. A convivência entre todos os credos brasileiros é muito boa.
A própria constituição federal impõe o respeito a todos os credos e à livre crença religiosa. Não há outro caminho. Por respeito à religião, um país não pode ser religioso.

Uma crônica de geração

Posted in

Por Alexandre de Paula

De longe, o que vemos é a imensidão. De perto, a nossa pequenez. Mais um gole de cerveja, três ou quatro palavras jogadas fora e um pouco mais de tristeza para adornar a noite e o céu de Brasília. Melancólicos, somos poetas pálidos e sozinhos de uma geração que nasceu velha e sem ter o que dizer. Às vezes, trocamos a lucidez por sonhos de grandeza e desabamos trôpegos às margens do Congresso Nacional.
A vida grave, sempre grave, assim considerada sem ênfase. Viver é muito perigoso, diziam nossos antepassados, mas não há risco para quem escolhe o caminho reto para a queda. Equilibrados na cruz da Catedral, gritamos nossa descrença e forjamos um salto rumo ao nada. Nada. Somos todos sombras de nada, à beira de. Não temos vozes, formas, versos ou canções. Artistas sem arte, poetas sem poemas, cantores sem voz.
Na primeira vez em que saltamos, o pulso acelerado nos sugeriu três ou quatro palavras de ordem. Na primeira vez em que saltamos, já sabíamos onde iríamos cair. No centro de nada, no ilusório quase risco. Não há, de fato, ousadia. Calculamos sempre o tombo, a queda e a palavra. Almejamos o chão e louvamos a ausência da glória. Mentimos. Sonhamos longos poemas, filmes brilhantes e não lineares, autoalimentamos nosso complexo de épico.
Três ou quatro elogios para três ou quatro palavras-poemas que se imiscuem no sem sentido de tudo e desta frase. Grande? Nenhum de nós será grande e há tantos que se sonham grandes que não pode haver tantos (sim, há portugueses Campos que já tenham dito isso antes). Não há grandeza na ausência de talento e no excesso de ego. Compomos ladainhas e brindamos à superioridade da nossa reflexão. Elite intelectual em um deserto de pensamento. Às vezes, deliramos, como em frases anteriores.
Choramos, por uma questão de estilo e de pose. Afinal, recusamos as aparências, desde que não estejam relacionadas à aparente despreocupação que temos com as aparências. Aceitamos críticas, desde que digam que somos brilhantes e que o mundo ainda nos conhecerá. Temos nossos óculos de aros grossos, nossa barba (se formos homens), nossa revolta de boutique, nossas camisetas com frases despretensiosamente significativas.
Em um dia ou outro, acabaremos escrevendo um texto, como este, aparentemente irônico e que também apenas aparentemente aponta o dedo para o centro do nosso nada. Assim, pareceremos humildes, nobres, modestos. Enquanto o pôr do sol nos espera para mais um clichê, sorvemos nossa angústia e, doentes, esperamos que, no fim das contas, o vão da noite nos revele que exista alguma espécie de razão.

Entrevista: Daniela Pinheiro

Posted in

















Por Edwaldo Costa e Patrícia Paola Almeida

O bom jornalismo merece destaque em todo tipo de mídia existente. O Jornal 360 busca, em cada matéria, proporcionar bons momentos para o leitor. É assim que acontece em alguns outros veículos.
A revista Piauí é um exemplo de bom texto, boa leitura e, claro, bom jornalismo. Um dos destaques da publicação é a jornalista Daniela Pinheiro.

Formada pela Universidade de Brasília, Daniela trabalhou por dez anos na revista Veja, passou pelo jornal Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil, Época, e hoje é repórter especial na revista. Conhecida por produzir longos e polêmicos perfis, já entrevistou o pastor Silas Malafaia, o ex-governador José Serra, o ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Ricardo Teixeira. Neste mês, Daniela ganhou pela quarta vez o Troféu Mulher Imprensa. E afirma não se imaginar em outra profissão sem ser o jornalismo.

A reportagem do 360 falou com a repórter, que conta sobre seus trabalhos e o jornalismo.

Em seus perfis para a revista Piauí você consegue tirar das personagens revelações impactante. Qual a estratégia para conseguir essas informações? Como lidar com o entrevistado?
Nós temos uma característica na Piauí que eu acho interessante: convivência. Nossas matérias demoram muito tempo para serem feitas. Em geral, fazemos matérias quando o entrevistado nos dá acesso. E depois de um tempo, vem surgindo o indivíduo debaixo do personagem e aí é quando a pessoa fala coisas mais interessantes. A convivência faz a gente perceber, sacar mais a pessoa. Esse tempo com o entrevistado é muito importante.

Qual a entrevista mais difícil que você já fez? Com maior tensão?
Todas são muito complicadas na verdade, mas sempre tem umas um pouco mais. Por exemplo, com o ex-governador José Serra. Foi uma matéria que eu demorei um ano e meio para fazer. Ele desistiu no meio da minha apuração duas vezes, depois disso nós retomamos, depois eu parei porque engravidei, enfim, era bem complicada. E ele é uma pessoa difícil também. Mas a complicação está no pacote das entrevistas.

Quando você terminou de escrever a matéria sobre o Ricardo Teixeira, já percebeu que era polêmica?
Eu não entendo nada de futebol, mas eu sempre fui vidrada na figura dele, o poder que ele tinha no futebol brasileiro, daquele cara que há anos mandava em todo mundo, ele era um rei do futebol. Então, eu não sabia exatamente a repercussão que aquilo teria, porque eu não sou do mundo do futebol. Em algumas declarações dele, eu imaginava polêmica, mas não o quanto seria. Agora, ele foi uma entrevista super fácil de fazer.

Há uma forte presença dos blogueiros no jornalismo hoje. Você gosta do jornalismo feito nos blogs?
Eu gosto do jornalismo feito nos blogs, mas eu acho que nós devemos fazer algumas distinções desse jornalismo. Mas, é super necessário, a linguagem agora é essa, é um jornalismo com mais opinião, um jornalismo personificado. Você dando sua opinião e as pessoas lêem porque querem saber o que você acha daquilo, não mais o que o seu jornal ou revista acham. É uma marca pessoal.

Houve um enorme aumento no número de colunistas na imprensa brasileira. Há um exagero nesta dimensão do jornalismo opinativo ou este mundo complexo exige mesmo estas múltiplas visões?
Eu acho um problema ter tantos colunistas. É colunista demais. Há quem diga que os jornais fazem isso para economizar dinheiro, eles não precisam contratar pessoas, não precisam pagar contrato CLT, então você contrata uma pessoa que faz uma coisa ali uma vez por semana, você não tem um vinculo trabalhista com ela. Talvez para os veículos seja melhor, nesse ponto de vista financeiro. Mas é opinião demais, é difícil até para o leitor, ele fica perdido. E o jornal, talvez ele não tenha que ser o abrigo desse colunistas, isso pode ser na internet, os colunistas poderiam estar um pouco mais identificados com a cara do jornal, não ser a voz do jornal, mas a cara do jornal.

Por que ser jornalista?
Por quê? Eu não sei. Eu sempre quis ser jornalista. Mas por que continuar a ser, é porque é muito gratificante essa profissão. Ela reúne coisas que para a minha personalidade é fundamental, eu odeio rotina, odeio ficar no mesmo lugar fazendo a mesma coisa. Eu adoro gente, eu me interesso pelas pessoas e eu sou muito fofoqueira, adoro fofoca. Jornalismo reúne essas coisas, um dia estou em um lugar, no outro dia em outro, no mês que vem eu posso fazer uma matéria que não tem nada a ver com a última que eu fiz, conheço muita gente, viajo para muitos lugares, eu consigo ler muita coisa diferente. Para a minha personalidade não existe outra profissão, não consigo ver nada que se adeque a mim. É até um problema isso, né? Não consigo pensar em fazer outra coisa.

Botecões de sucesso

Posted in

















Por Even Vendramini

Nada melhor que sair de um dia cansativo de trabalho ou estudo, ir a um local agradável, conversar com alguns amigos e colegas de trabalho, tomar uma cerveja gelada e comer um petisco, não é mesmo? O happy hour está aí para unir todas essas coisas num lugar só: o barzinho, o boteco.

Happy hour quer dizer “hora feliz” em português, e é o período após o expediente de trabalho em que as pessoas se reúnem em locais informais para beber, comer e descontrair. Pode acontecer em qualquer dia da semana, e não conquistou só trabalhadores. Os estudantes procuram, cada vez mais por opções de bares pela cidade.

Há quem diga que o happy hour perfeito pede um bar especial. Além de pedir, é claro, companhias agradáveis. Cada cliente tem um gosto diferente, e por isso as opções em Frutal são amplas. É incontável o número de bares espalhados pelos quarteirões da cidade, porém alguns se destacam.

Muitas coisas fazem diferença em um bar. Desde fatores muito simples, como a localização, até alguns mais rigorosos como o atendimento. Não é só cerveja gelada que faz um barzinho ser legal, mas a gelada conta – muitos – pontos positivos.


Pelos bares de Frutal

Não é preciso andar por muito tempo em Frutal para encontrar bares muito conhecidos e tradicionais na cidade. Selecionamos três destes que, com certeza, já caíram na graça do povo frutalense.

Bar do gato: Localizado nos arredores do centro, encostado à Câmara dos Vereadores, já funciona há 24 anos. Se engana quem julga o estabelecimento pelo nome. Lá não tem nada de “churrasquinho de gato”. A especialidade da casa, o prato mais pedido, é a picanha, introduzida ao cardápio a pedido de fregueses. Além disso, seu Vanderlei, o Gato, dono do bar, ainda serve espetinhos e algumas porções, como a de gairova. Sem esquecer, é claro, da cerveja gelada, apreciada por muitos.
Todos os petiscos são preparados pelo dono, pela sua esposa, Rosário e por seu irmão, Silvio, que também é sócio na propriedade do estabelecimento.

Segundo Gato, um dos motivos do sucesso do bar é o relacionamento com os clientes. “Pode ser que nosso atendimento seja um dos motivos de sucesso, ou, até mesmo, a cerveja sempre geladinha”, diz. “Aqui é tudo simples, é um “botecão”. Não tem nada de sofisticado.” completa. O bar não cobra a taxa de 10% pelo atendimento. Segundo Gato, a pessoa já escolheu estar ali, na visão dele, não faz sentido cobrar por isso.

A intenção do “Bar do Gato” é justamente oferecer um ambiente tranquilo para as pessoas saírem do trabalho e descansar a cabeça ou conversar com algum colega. O bar abre às 8h e permanece assim o dia todo, enquanto são preparados os pratos que serão servidos à noite, e é fechado por volta da meia noite, no máximo à 1h da manhã.

Bar do Peixe: Estabelecimento conhecido pela sua especialidade: o peixe. Funciona no mesmo local há 19 anos, com o mesmo nome e o mesmo dono. Antônio Kinoshita viu na especialidade do bar a chance de optar por algo diferente que pudesse dar certo. E realmente deu. Hoje, o Bar do Peixe é conhecido na cidade toda, mesmo com concorrentes espalhados por aí.

Antônio conta com sua esposa e seu sobrinho no atendimento do bar. Os pratos servidos são preparados por eles mesmos. Aliás, não são poucos. As porções variam entre os mais diversos tipos de peixes, além do sashimi – muito pedido pelos clientes –, do bolinho de bacalhau e do quibe de peixe. As bebidas servidas são as mais procuradas pelos clientes em geral: cerveja, refrigerante e sucos. Nada mais que isso. O bar não trabalha com bebidas de dose. Um dos fatores que, segundo o dono, fez o bar ficar muito conhecido foi a propaganda boca a boca. “Nunca fiz nenhuma propaganda em jornais, revistas ou até mesmo nas rádios. Nunca precisei disso. O bar começou a dar certo pelas amizades que a gente tinha”, conta Antônio.

De acordo com o proprietário, o segredo do sucesso de seu bar é o ambiente familiar que foi construído através do passar dos anos. O Bar do Peixe funciona das 18h até por volta das 23h30.

Bar do Batista: O Bar do Batista começou por falta de lugar para seu Batista e sua churrasqueira funcionarem. Isso, há 17 anos, quando era inaugurado o estabelecimento que hoje também é conhecido pela cidade toda por servir espetinhos e bolinhos preparados pelos próprios donos do estabelecimento.
A exemplo dos bares citados anteriormente, o funcionamento do bar do Batista é levado adiante pela família. Pai, mãe e filha. No cardápio pode-se encontrar torresmo, bolinho de arroz e, espetinhos de várias carnes, incluindo a de carneiro. Sem esquecer da cerveja gelada, que não pode faltar.

Segundo seu Batista, o movimento do bar aumentou depois que os estudantes vieram para Frutal. “Alguns fecham o bar, outros até abrem. Eles têm fortalecido muito o movimento” disse o dono e também churrasqueiro do bar. Existem, é claro, os clientes fiéis, que frequentam o local desde quando crianças.

Batista aposta na qualidade da comida e na simplicidade para justificar o sucesso do bar. “A gente não tem muita variedade no cardápio, mas o que a gente faz é com qualidade”, justificou dona Hortência, esposa de seu Batista. O Bar do Batista funciona a partir das 17h e fica em funcionamento até a meia noite.


O que há em comum?

Todos os estabelecimentos, sem exceção, apostam na simplicidade para que seu negócio vá em frente. O bom tratamento e a satisfação dos clientes é que movem o sucesso desses bares.

Apesar de não funcionarem nos fins de semana, os bares tem um movimento muito alto de segunda à sexta. E pessoas de todos os tipos os frequentam.

Prova de que esses são os melhores lugares para se descansar a mente e aliviar a tensão do trabalho e da rotina da vida. Depois de tudo isso, é só traçar seu itinerário e experimentar os diferentes happy hour’s da cidade. Tudo, é claro, com moderação.

Lenda ou Verdade? A história de que Chico Xavier não veio para Frutal por conta de maldições

Posted in

















Por Patrícia Paola Almeida

Um dos maiores líderes religiosos do nosso país é, sem dúvidas, Chico Xavier. Ele foi um dos médiuns mais famosos do mundo, responsável por tirar de vez o espiritismo da marginalidade, tornar a doutrina popular e fazer do Brasil o país com o maior número de espíritas. Durante sua vida, Chico Xavier, escreveu milhares de mensagens psicografadas (texto escrito por um espírito através de um médium) compiladas em mais de 400 livros.Algumas até foram usadas inclusive para solucionar crimes. O médium era carismático, levava uma vida humilde. Seriamente comprometido com a doutrina espírita, viajou por todo o país e para vários lugares do mundo. E morava logo ali, em Uberaba, 137 km de Frutal, mas nunca pisou em terras frutalenses. Por quê?

É provável que diante de um acontecimento estranho ou um crime assustador, você já tenha ouvido alguém dizer: “É por isso que Chico Xavier nunca veio para Frutal.” A explicação comum é que cidade de Frutal está repleta de espíritos obsessores, desencarnados e que perturbam as pessoas e influenciam de modo negativo seus atos. Chico Xavier, como médium muito sensível, estava ainda mais propício ao assédio desses espíritos, que buscavam se comunicar ou atrapalhar sua missão, e por isso não visitou a cidade. Entretanto, histórias sobre Frutal ser amaldiçoada ou outras explicações para ele nunca ter vindo para a cidade não faltam. O que é real?


O espiritismo e Chico Xavier

O espiritismo é uma religião iniciada por Hippolyte Léon DenizardRivail, o Allan Kardec, na França nos anos de 1800. A doutrina mescla crenças esotéricas da época, budismo, catolicismo primitivo e evolucionismo. A base é o conhecimento e a caridade, com ensinamentos intimamente ligados à ciência e filosofia. Chico Xavier alinhou ainda mais a crença espírita ao catolicismo, seu estilo de vida estava ligado a votos de pobreza e ajuda dos necessitados, o que facilitava a simpatia com a crença e popularização entre as pessoas no Brasil. Roberto Carlos, católico fervoroso, visitou o médium e pediu orientação várias vezes.

Chico era querido por famosos e políticos. Dentre as personalidades, Xuxa, Juscelino Kubitschek, Gloria Perez, mantinham contato com o médium. Além disso, fez participações em novelas, filmes, escrevia para jornais, participava de inúmeros programas de TV e suas aparições rendiam milhares de telespectadores. Era quase uma celebridade. Dois milhões de assinaturas foram recolhidas para a candidatura dele ao Prêmio Nobel da Paz, em 1981. Recebia centenas de pessoas todos os sábados no centro que trabalhava para orientá-los. Em seus 92 anos de vida trabalhou para fazer o bem e oferecer amor.

O frutalense e espírita Rouvel Rocca Ravena, de 43 anos, acentua essas características do médium: “Chico Xavier é o elo entre o início da doutrina na França e a continuidade disso de uma forma intensa e visceral no Brasil. É alguém que escreveu mais de 400 obras literárias, mas como se não bastasse isso, existiu todo um trabalho social espetacular. A história do Chico fala por si só. Chico Xavier, sem exageros, é quem mais se aproximou do ideal de discípulo de Cristo”.


A doutrina em Frutal: se já existiu algo ruim, já passou

Sendo a base do espiritismo a caridade, não seria provável que Frutal, uma cidade possivelmente perturbada por maus espíritos, precisasse de ajuda? Frutal tem aproximadamente 60 mil habitantes, e mais de 15 centros espíritas, bem relacionados entre si, que desenvolvem os princípios da crença e um forte trabalho social. A cidade pode não ter recebido o ilustre médium, mas possui pessoas trabalhando todos os dias para o bem dos que aqui residem.

Mas afinal, é verdade que o Chico Xavier não queria vir para Frutal?
Segundo Rouvel, ele não veio por falta de tempo “Chico não foi a muitos lugares, ele tinha muitas coisas para fazer, era um homem com uma saúde debilitada e uma agenda de compromisso intensa. Eu não sei se todas essas histórias sobre essa nuvem negra em Frutal são verdades ou não, mas não importa. Aqui tem muita gente boa fazendo coisas boas por Frutal”, diz.

Jarbas Azevedo filho, de 53 anos afirma “Isso é uma crendice, uma lenda. Chico nos considerava irmãos, ele era um espírito de luz. Agora, o ambiente de nossa casa somos nós que fazemos. Se existe realmente uma áurea terrível sobre Frutal, cabe a nós, espíritas, evangélicos, católicos, de qualquer religião que seja, orarmos e vibrarmos. Devemos querer o bem da cidade. Frutal está crescendo, eu amo Frutal. Se existe essa áurea negativa, ela já deve ter ido embora.” Que assim seja.



A primeira prefeita

Posted in
















Por Mariana Nogueira 

Uma larga porta com abertura central dá entrada para uma sala aconchegante. Encostado na parede, está um piano vertical que acolhe diversos porta-retratos da família. Uma sala comum, de uma família de classe média. Contrariando os tons neutros da sala, neste primeiro encontro Ciça veste um colorido blazer com estampa floral e jeans. Os cabelos bem penteados e a maquiagem recente denunciam que acabara de se arrumar para a entrevista.

Em uma tarde quente, ainda em 2013, Maria Cecília Marchi Borges, a Ciça, cinco décadas de vida, ex-prefeita de Frutal, abriu as portas da sua casa para uma série de entrevistas. Entre política, família, cuidados com a casa, filhos e projetos para o futuro, a primeira mulher a ser chefe do executivo de Frutal fala sobre certezas, dúvidas, acertos, erros, passado, presente e futuro. Do seu modo, sempre sorrindo e com a fala no mesmo tom tranquilo, quase sem variações, descreve o seu jeito de lidar com o poder.


Veias políticas 

Em três de outubro de 2004, Ciça foi eleita prefeita de Frutal. Pela primeira vez uma mulher assumia o cargo mais alto do executivo frutalense. Mas foi bem antes disso que a política entrou na vida de Ciça. Foram seus avós, o paterno Artur Marchi, e o materno, Alcides Brito, que deram início à carreira política da sua família. Ambos atuaram de maneira indireta no cenário político em Frutal. Outra figura política da família foi o tio materno Celso Arantes Brito, prefeito de Frutal por três vezes.

As primeiras atuações de Ciça na política, se assim podem ser chamadas, foram nos diretórios acadêmicos em escolas como a escola estadual Maestro Josino de Oliveira e o colégio Presidente Vargas, nos ensinos fundamental e médio, além da participação no diretório do Centro Universitário Barão de Mauá, em Ribeirão Preto – SP, onde cursou a graduação em Biologia.

"Pelo amor de Deus, não mexa com isso", dizia Ciça, em meados dos anos 90, quando, já casada com o médico Luiz Antônio Ferreira Borges, o Zanto, via a possibilidade do marido se tornar candidato a prefeito de Frutal. Não era só uma questão de não apoiar a candidatura do esposo, mas de entender bem o jogo da política. As experiências passadas com os familiares políticos ainda eram vivas na memória.

O conselho da esposa não adiantou. Zanto foi eleito em 1992 como vice-prefeito na chapa encabeçada por Toninho Heitor. E Ciça assumiu a Secretaria de Promoção Humana. Em 1997, o marido se tornou prefeito e ela continuou com a secretaria, e esse foi o cargo que fez com que ela se aproximasse do povo, da população mais carente, o que lhe daria uma marca e uma reserva de votos no futuro.

Em 2002, a candidatura para deputada estadual aconteceu, a eleição não. O partido? PMN (Partido da Mobilização Nacional), que foi escolhido ao acaso. Na verdade, foi escolhido por Ciça porque era o único partido sem indicação ao legislativo estadual. Foi uma forma pacífica e discreta de entrar na política. O sangue político que corria nas veias agora estava despontando.

A distância entre Ciça e o poder diminuía. Em 2003, a filiação ao partido PR (Partido da República), o antigo PL (Partido Liberal), levou-a a se candidatar para a prefeitura de Frutal em 2004. Foi eleita com 40% dos votos. A reeleição, em 2008, aconteceu de forma natural, exceto pelo fato dela ter sido a primeira a realizar este fato, já que o prefeito Toninho Heitor, que poderia ter tentado a reeleição em 2004, não se candidatou. Assim, um ciclo de oito anos se completaria.
Questionada sobre que marca caracteriza este período, Ciça diz: “a marca do meu governo é o trabalho”. Mais adiante, será possível entender porque ela pensa assim.

O futuro? Ciça continua no mesmo partido, o PR, e pode concorrer nas próximas eleições a um cargo no poder legislativo estadual ou federal, nada definido. “É uma eleição grande, que demanda uma logística e um planejamento muito grandes, principalmente financeiro”, desabafa. Ciça reconhece que foi conquistada pela política. E que estará atuante nas próximas eleições. De que forma? o tempo dirá.


A Prefeita

"Um líder eleito pelo povo trabalha para o povo", diz ela. No dia 3 de janeiro de 2005, segunda-feira, Maria Cecília acordou cedo para cumprir seu primeiro dia oficialmente como prefeita de Frutal. “A cidade está em minhas mãos” foi a primeira coisa que ela pensou, antes de seguir para o pátio da prefeitura, local que seria seu gabinete até o dia 8 de março daquele ano.  A sede da prefeitura estava em reforma.

Ao assumir o posto, Ciça tinha a lembrança da  experiência do marido como prefeito. E um problema ocorrido na administração Zanto lhe tirava o sono: o atraso no pagamento dos funcionários da prefeitura. Por isso, tinha um objetivo: “eu tinha uma prioridade: pagar todos os servidores em dia, e eu levei isso até o último mês de governo, em dezembro de 2012. Nunca os salários atrasaram.”, enfatiza. “Eu não podia deixar um servidor do município sem os seus direitos garantidos. São pais e mães, são famílias que dependem desse pagamento”, conta e gesticula levando a mão ao peito, deixando no ar aquela ideia de "não faça com os outros, o que você não quer que façam com você". E completa: “o que é justo, é justo”.

Para manter as finanças em dia, Ciça defende seu método: "é preciso cuidado com cada centavo. Não está se gastando muito com tal produto? Desliguem as luzes desnecessárias. Foi assim, avaliando cada empenho a ser pago, que consegui manter as contas todas em dia".

Desde o início, Maria Cecília decidiu abrir as portas da prefeitura para a  população. Às quartas-feiras as portas do gabinete estavam realmente escancaradas. Qualquer cidadão que chegasse por lá seria recebido pessoalmente pela prefeita. Seus principais assessores também ficavam a postos, pois a qualquer momento podiam receber um telefone ou um bilhete com um pedido de providência para resolver um problema levado ao conhecimento da prefeita por um cidadão.
 
Quem vota, deposita um voto de confiança. Quem é eleito, tem a obrigação de fazer com que seus eleitores se sintam amparados pela escolha que fizeram, assim pensa Ciça. Na sala de espera do gabinete, era possível observar pessoas de todas as classes sociais com os pedidos mais diversificados. As 8h da manhã a sala já estava cheia.

Em grupos, as pessoas entravam e conversavam, explicavam a sua situação e porque tiveram de recorrer à Prefeita. Ciça ouvia, anotava e na maioria dos casos, ligava para alguém. Esse alguém era a pessoa que iria lhe ajudar a resolver o problema daquele cidadão. A cena se repetiu até a última quarta-feira de seu mandato.

O trabalho na Secretaria de Promoção Humana, iniciado no governo Toninho Heitor, levou Ciça a se aproximar das pessoas mais pobres e dos seus problemas. Ao  descrever uma imagem que nunca lhe saiu da sua cabeça, Ciça demonstra um semblante comovido. Um dia, uma mulher grávida, andarilha que estava passando por Frutal com um filho pequeno nos braços, estava tomando banho em uma torneira, na rua, em frente ao prédio da Promoção Humana, onde hoje está localizada a Unidade Básica de Saúde Sandoval Henrique de Sá. Vendo a cena, Ciça, mãe de dois filhos pequenos, teve a certeza de que o seu trabalho era essencial para pessoas como aquela mãe. Quase vinte anos depois, a imagem continua muito clara na mente de Ciça, que não se importa se aquela pessoa é de outra cidade. "Enquanto ela estiver em Frutal ela vai ser tratada com dignidade". Ciça encaminhou-a para o prédio da Promoção Humana, mas a mulher se recusou a receber ajuda.

Maria Cecília tem orgulho do Albergue Municipal, inaugurado em 2006, “A vida pública faz de você um instrumento para servir às pessoas”. O albergue tornou  possível oferecer uma cama, um banho quente e um prato de comida para essas tantas pessoas com vidas itinerantes. “Que futuro essa mãe vai dar a seus filhos?”, “Que oportunidades oferecer para essas crianças?” reflete.

Ciça gosta do contato direto com as pessoas. Seu número de celular é quase público. Faz questão de retornar todas as chamadas que, por algum motivo, não pode atender na hora. Conversa com o cidadão em qualquer canto. E as pessoas a procuram, inclusive na casa dela. Ainda hoje, não raro o telefone toca e, do outro lado da linha, pessoas aflitas fazendo pedidos para a ex-prefeita. Ciça diz ter consciência de ser ex, mas que procura resolver os problemas que batem à sua porta.

Já no fim de uma entrevista, a campainha da casa de Ciça toca e ela mesma  atende. No portão está um senhor bem simples, aparentando ter mais de quarenta anos, talvez cinquenta. Ela o convida para entrar e se senta com ele no sofá, exatamente onde ela estava sentada durante a entrevista. O senhor, muito falador, logo começa a se explicar, enquanto Maria Cecília anota tudo. O pedido? O emprego de volta. Ele acabara de ser demitido e precisava do emprego para sustentar a família. A saída? Ir pedir à “madrinha”. Ciça pegou o seu smartphone, e usando o whatsapp – um aplicativo de mensagens – mandou um recado ao atual prefeito de Frutal, Mauri Alves, para que ele atendesse com atenção esse caso.

Na entrevista seguinte, perguntei-a se o caso havia tomado um rumo, e ela respondeu: "fiz a minha parte, acho que tudo se resolveu porque ele (o senhor que havia perdido o emprego) não voltou aqui". E esse é um procedimento ainda corriqueiro. Quando Maria Cecília não consegue uma solução para o problema das pessoas, essas pessoas costumam bater novamente à sua porta, para tentar entender o que pode ter dado errado.

E por que madrinha? Na época em que Zanto era prefeito, Ciça era chamada de madrinha por alguns “meninos”, como ela mesma diz, que trabalhavam no pátio da prefeitura. O apelido carinhoso ficou e ela ganhou uma dúzia de afilhados de verdade. “Dizem que a madrinha é segunda mãe, fico muito feliz de saber que me escolheram pra isso”. Quanto ao apelido, ela não se envaidece, considera como um carinho que as pessoas têm por ela.

Ciça continua muito próxima da população. Tem um jeito de receber as pessoas, abraçá-las e se comprometer a ajudar, o que faz com que qualquer um não hesite em procurá-la. Os adversários dizem ser populismo. Ciça rebate: “poder público quer dizer responsabilidade. Você lida com seres humanos, pessoas com sentimentos, dificuldades e histórias de vida. São pessoas que te escolheram para estar ali, representando-as” ela conta, gesticulando e franzindo o cenho, para enfatizar sua posição.


A mulher

Segunda de quatro filhos, sempre teve boa relação com a família, com um pai muito presente e uma mãe muito dedicada. "Aprendi muito com meus pais, principalmente a compreender as fases do ser humano, e assim, crescer uma pessoa feliz. Sou realizada como mulher e como mãe”, diz.

Brincando, Ciça conta como é a sua relação consigo mesma: “mulher é assim, tem que se cuidar, estar atenta ao mundo, moda e tem que cuidar da saúde”. É um lado que as pessoas não conhecem, porque é vista sempre bem arrumada e sorridente. “Lógico que eu acordo e me vejo cheia de defeitos, acho que o cabelo não tá bom, que posso perder uns três ou quatro quilos”.

Idade não é problema. "A idade chega mesmo, sem dó nem piedade, deixa as marcas do tempo na vida, principalmente das mulheres". Atividade física? Pedalar. É muito fácil cruzar com Maria Cecília pedalando sua bicicleta pelas ruas de Frutal. Faça chuva ou faça sol, religiosamente, ela sai de casa no fim da tarde e pedala por algum tempo. “Mulher tem que ter vaidade, então eu me cuido, a gente precisa estar bem consigo mesma pra estar bem com os outros”, defende.

Ciça, como uma grande parcela das mulheres modernas, executa vários papéis, e o de dona de casa é apenas mais um deles. Faz o que precisar: arruma a casa, lava, passa e cozinha, “adoro cuidar da casa, mesmo com a Neide – sua parceira nos afazeres domésticos – eu faço as coisas, a gente precisa saber fazer, não é mesmo?”, conclui ao mesmo tempo em que questiona.

Maria Cecília tem fé, e muita. Pude notar isso, lá em 2011, no altar cheio de imagens sacras em seu gabinete.“A gente precisa de fé pra superar as dificuldades”. Ciça acredita que a fé move montanhas. Para ela, há tantos problemas no mundo, e é preciso crer, acreditar em algo para que se tenha força, “a fé dá uma condição maior para seguir a sua vida”.


A mãe

"Depois que você tem um filho, você passa a ver o mundo de outra forma". Mãe de dois filhos, Leda, 26 anos, e Luiz Antônio, 23, Maria Cecília se considera uma mãe muito participativa e amiga.
Quando era jovem, Ciça teve uma educação bem diferente da que dá aos seus filhos. Da educação “fechada” ficou o fundamental (respeito, carinho, amizade). Ela diz ter se atualizado:“mudou muita coisa em 30 anos né”. E se os tempos são outros, ela se adaptou às modernidades e as usa em seu favor, “hoje é mais fácil estar presente na vida dos filhos, tem celular,whatsapp, internet”, completa.

Mãe é mãe. “A minha mãe foi excelente na minha educação e dos meus irmãos. Ela era educadora, então nos criou de um jeito muito especial”, ressalta Ciça. Para ela, mais importante que educar é ensinar o caminho certo. “A gente educa e instrui, mas são eles que escolhem que rumo seguir na vida”. Ciça deixa a impressão de que se sente feliz com a estrada que os filhos estão trilhando. “Filho é pro mundo”.


Erros e acertos

Ciça é firme ao dizer que não se arrepende de nada que fez durante os oito anos de governo. Indagada sobre questões polêmicas de seu mandato, titubeia em alguns momentos, mas responde a todas as perguntas. Estas questões foram deixadas propositalmente para o fim da última entrevista, numa dessas tardes calorentas de Frutal.

"Governo Assistencialista". Esse foi uma das críticas mais fortes que o governo Ciça recebeu. O que ela acha disso? "Foi um governo que viu o lado humano, um governo fraternal. As pessoas passam muitas dificuldades. É dever do poder público auxiliá-las no que puder" .

Já em relação ao concurso público anulado, que aconteceu em 2005 e que preencheria vagas na prefeitura, Maria Cecília é categórica: não se arrepende de não ter anulado o concurso quando os problemas foram apresentados ou após a primeira derrota da prefeitura na justiça.  "Confiei e confio no meu assessor jurídico". O caso durou quase oito anos, e só em setembro de 2013 que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais anulou o concurso e decidiu que o dinheiro deveria ser devolvido aos inscritos. O assunto muda o tom do bate-papo, mas Ciça afirma que acatou todas as informações passadas pelo advogado Marco Aurélio: “como prefeita, não via nada de errado no contrato com a Unicon (empresa que realizou o concurso)”. Entre as irregularidades apontadas está o favorecimento de candidatos, vazamento de gabarito e a falta de licitação para a contratação da empresa.

"Foi uma forma de me atingir politicamente", manifesta-se Ciça sobre a CEI do Frei Gabriel. A Comissão Especial de Investigação foi instaurada para averiguar supostas irregularidades no Hospital Municipal Frei Gabriel e na Sociedade Amigos do Hospital São Francisco de Assis, e entre as questões levantadas está o pagamento de salários estratosféricos a médicos. Maria Cecília é enfática ao defender a si própria e o hospital Frei Gabriel: “Frutal pode se tornar polo regional de saúde, o Frei tem condições de se tornar isso. A saúde é muito cara. Qualquer análise apontará que os salários pagos estão na média regional."

Maria Cecília tem seu nome envolvido em treze processos judiciais. Os citados acima são os de maior repercussão e importância. Ao fazer um balanço da sua relação com o poder ela afirma estar satisfeita com o resultado positivo que teve ao deixar o cargo.


O futuro

O que será a partir de agora? Empolgada, Ciça fala do seu novo projeto, uma loja de calçados femininos junto com a sobrinha. Candidata e empresária? 2014 reserva um leque de caminhos para Maria Cecília Marchi Borges, e qual deles ela irá trilhar é uma questão em aberto.

Ciça está bastante confortável com a sua situação atual. Encara os papéis de mãe, esposa, mulher e ex-prefeita com bastante jogo de cintura. Sabe que é uma figura importante na história recente de Frutal. Quem implorava para o marido não entrar na política, agora deixa bem claro que dificilmente sairá.


Só mais uma...

Uma figura política: Juscelino Kubitschek.
Atriz: Aracy Balabanian. Marília Pêra, Glória Pires.
Ator: Antônio Fagundes, Mateus Solano, Tony Ramos.
Um filme: Uma linda mulher.
Uma comida: Feijoada, embora eu coma de tudo.
Uma cor: Azul.
Um livro de cabeceira: Bíblia.
Leitura: VEJA, artigos da Folha.
Mulher que inspira: Dilma Roussef, Marta Suplicy, Zilda Arns, e,  em Frutal, Irmã Sueli e Dona Deusmanda.

Por trás do selfie

Posted in
















Por Eduardo Uliana 

A onda dos autorretratos, os “selfies” conquistou o mundo. Foi reportagem no programa Fantástico e virou febre entre os jovens. Um dos selfies mais famosos, registrado por Ellen DeGeneres, mestre de cerimônias do Oscar 2014, foi recorde de compartilhamentos nas redes sociais.

Qualquer ocasião, seja um encontro de amigos ou durante as aulas na faculdade, é registrada na forma de um selfie. Sem contar os autorretratos no espelho do banheiro – os mais populares.

Mas porque precisamos dessa autoexposição? Será que depois de nos isolarmos nessas caixinhas luminosas conhecidas como smarthpones, desenvolvemos uma certa carência e a necessidade de expor emoções e intimidades para o mundo? E deste, então momentos pessoais e particulares tornam-se públicos e coletivos. Compartilhamos fotografias e emoções com pessoas que nunca vamos conhecer. E isso é perfeitamente normal em tempos de redes sociais online.

Se por um lado estreitamos relações e aumentamos nosso círculo de amizades. Do outro lado, vale pensar se as amizades virtuais têm o mesmo peso das reais.

Estaríamos vivendo uma realidade solúvel, assim como os inúmeros autorretratos que lotam as linhas do tempo? Realmente precisamos de tantos selfies assim? Já somos vigiados o tempo todo por inúmeras câmeras de vigilância. Monitorados a cada compra no cartão de crédito e analisados por meio de grandes bancos de dados governamentais e empresarias. Sem consentimento ou permissão.

Então, será que alguém está preocupado aonde vai parar todas as selfies feitas pelo celular? Hoje, ter uma vida discreta, longe das mídias sociais é praticamente impossível. Mas quem liga pra isso. Vamos “selfiar”

A beleza a R$ 1,99

Posted in

Por Alaor Ignácio

O gato recortado daquela revista, apesar de banal, deu certo ar de graça na naquela parede lisa e lambida do acesso àquela casa. Tendeu ao estável, onde havia um lapso, mas só melhorou um pouco. Aquela família, afinal, perante as cismas ou os enigmas, na certa desejaria colocar aquela outra garça branca, à venda para jardins naquelas casas de flores. Na falta é que foi o gato.
O acesso àquele átrio, de fato, nada tinha a ver com aquilo. O fato é que posta, a estampa clareou o ranço naquilo que lhe foi possível: assim, “sem vida”. E embora aquilo não fosse coisa que se fizesse, conferiu certa beleza à vida, perante aquela porta óbvia. Outro trânsito, quem sabe para um sonho indomável de decoração, feito os cavalos do quadro que corriam na parede na cozinha.
Aquilo, naquilo, daquilo outro. A família adorava colecionar pronomes e adornos das lojas de 1,99. “Bonitinhos” objetos que levavam o solitário pinguim da geladeira a tapar os olhinhos com as asas pretas. Às vezes por ciúmes, outras por vergonha.
Surgiu a banda, com bonequinhos colecionados um a um para a composição “certinha” da melodia. Todos compenetrados em seus instrumentinhos feitos do mesmo plástico que os músicos. A dona da casa tinha certo xodó pelo saxofonista, porque o achava romântico. “Acho romântico”, dizia, com seus olhinhos esperançosos. E da prateleira de mão francesa (R$ 7,80, uma pechincha) eles tocavam, tocavam, tocavam aquela melodia inaudível, que somente os apreciadores de bibelôs conseguem ouvir.
A filha, universitária, aprendera sobre o kitsh na escola. Achava aquilo kitsh, careta, zoado, cafona. E chegava, às raras vezes, até a esboçar uma crítica de arte (“credo, mãe”), quando lhe sobrava um tempo para tirar os dedos e olhos fixos do celular ininterrupto.
Para o pai, era “coisa da mulher”. Se extraviasse os pensamentos com quadros de coisas e cores, flores fakes ou enfeites quem haveria de ligar a televisão às 10 e desligá-la às 22 nos domingões, quase intermináveis?
A vida é longa, e aqueles trecos, cacarecos, vevecos e lindezas são pedaços da composição de uma existência. Cada qual com sua história e função, sua arte e encantamento. Alguém os herdará, profetiza a mãe orgulhosa.
Daquela data pra cá, a cola do gato não soltou, e continua aguçando a visão de quem passa naquilo. Tá lá o gato naquilo que se chamou moldura, aquilo outro e aqueles. Efêmeros são os que compreendem a arte de resistir às facilidades para deixar “tudo mais bonito”. Os sábios vão embelezando o mundo. Uma rosa acrílica ali, um pôster da dupla aqui, um sonho de comprar um quadro novo acolá. Assim “tudo dentro do possível”...

O ônibus de Dona Julia

Posted in

















Por Ana Carolina Datore

Julia Carvalho, 64 anos, nascida em Itapagipe e criada em Frutal. O que teria de diferente nisso? Uma mulher elegante, casada, que mora em um bairro distante do centro da cidade em uma aconchegante casa com seu marido e três cachorros. O que realmente teria de diferente nisso? Pois bem caros leitores... Julia foi a primeira mulher a dirigir ônibus federal em São Paulo. Sim, ônibus federal, ônibus de linha. E isso aconteceu lá pelos anos 70.

 “O ônibus de Dona Julia”, era assim que tratavam na época. Nos anos 70 ver uma mulher, ou melhor, uma jovem mulher, dirigir ônibus era algo de se espantar. No imaginário das pessoas esse trabalho é predominantemente masculino, mas muitas mulheres também são apaixonadas pelo volante. É o caso da personagem, uma amante de sua profissão. E nada disso foi previamente pensado ou planejado, simplesmente aconteceu.

Em entrevista ao 360, Julia mostrou sua carteira de habilitação, sua carteira de trabalho, seus uniformes da última empresa que trabalhou, as fotografias em preto e branco e as folhas recortadas de jornais e revistas que falavam sobre a mulher que dirigia ônibus pela capital paulista.


1ª marcha: O caminhão do papai

Como tudo começou? O pai de Julia sempre teve caminhão, desde quando ela era criança. Um belo dia em que ele foi viajar, a garota encheu o caminhão de amigos, deu partida e desceu pela rua. Uma criança de 10 anos num caminhão pelas ruas de Frutal. Ao passar pela conhecida avenida Euvaldo Lodi, os amigos do pai da menina pularam na frente para parar o veículo. “Tomaram o caminhão da minha mão. Meu pai me deu uma surra muito grande e então me ensinou a dirigir direito”, lembra.

Quando adolescente, aos 16 anos, Julia se casou e seu marido tinha uma frota de ônibus. Quando um motorista faltava do trabalho era ela quem dirigia no lugar. Ainda menor de idade. Fazia viagens longas, muitas vezes de Frutal até Goiás, Mato Grosso. E tinha mais: viajava grávida. “Quantas vezes menor de idade e com a barriga grande fui para o volante? Parávamos nos guardas, levávamos multa. E então resolvi tirar minha carteira profissional quando completei 18 anos, assim que terminei o segundo grau no Ginásio Brasil, em Frutal.”

O casamento não deu certo na época e Julia se separou. Foi pra São Paulo “dar um tempo de Frutal” e deixou o seu filho com a avó.


Tomando as capitais

Em São Paulo, Julia teve o seu primeiro trabalho como motorista de ônibus, e para isso foi preciso que ela tirasse outra carteira profissional, no Detran. Ficou na terra da garoa cerca de dois anos e voltou para Frutal.

Ao chegar de volta em sua cidade natal teve um desentendimento com seu atual marido. Ele foi para a casa de alguns parentes em Brasília. “Me mandou um telegrama de lá falando que tinha arrumado um emprego na Viação Pioneira. Eu fui pra lá e não o encontrei, fui direto para a Viação. Achei a empresa e pensei que ele estivesse por lá. Cheguei e perguntei, perguntei, perguntei e nada, não achei meu marido. E então decidi fazer o teste para motorista. Fiquei em um apartamento de visitas da firma. Fui aprovada. O alfaiate fez meu uniforme pela noite toda e, no outro dia, já comecei a trabalhar”, conta. Três foram os aprovados daquele teste, dois homens e ela.

Em meio a essa história, o jornal “Correio Braziliense” do dia 7 de janeiro de 1978 publicou uma matéria no caderno “Cidade” com o título “ ‘ELA’ NO VOLANTE. O ônibus de Dona Julia”. Foi desse modo que o marido de Julia a encontrou: “Ele estava no Mercadão comendo um pastel e de repente leu ‘O ônibus de Dona Julia’ e falou ‘gente, o que é isso?’, e a partir de então ele me encontrou e passamos uns tempos por lá. Fiquei famosa, o Brasil inteiro me conheceu.”

A fama de Julia se espalhou por todo o país. A primeira mulher a dirigir ônibus de linha foi destaque no Globo Repórter e participou da abertura do Programa TV Mulher, apresentado, na época, por Marília Gabriela. “Dessa abertura do programa eu nem sabia, porque eles pegaram o tema de mulheres que faziam serviços masculinos, me filmaram e colocaram no início, na abertura do programa. E também dei uma entrevista para Jornal Nacional”, relembra.


Charme – e um pouquinho de desconfiança – ao volante

Ao mostrar suas fotografias antigas, Julia relembra seu tempo de jovem em que dirigia por São Paulo, Brasília e pelas estradas do país. “Eu era magrinha, meu último uniforme tinha uma gravata jeans, eu gostava de ser mais fashion. Gostava de ficar meio cocotinha, o cabelo era comprido, às vezes amarrava, fazia tranças”.

Julia conta que era muito querida pelos passageiros e que em época de Natal não tinha lugar em sua casa para guardar todos os presentes que ganhava. Mas, como nem tudo são flores, tinham as pessoas que não gostavam e até mesmo as que se recusavam a entrar em um ônibus comandado por uma mulher. Fora isso, a motorista sempre recebeu o carinho e a admiração das pessoas que viajavam de São Paulo para o Rio de Janeiro, ou de Brasília para Belo Horizonte.

Ao relembrar de suas trajetórias pelas estradas do Brasil, ela conta que ao mesmo tempo em que recebia duras críticas por ser mulher, muitas pessoas a admiravam e até a paqueravam. “Um dia eu estava em Brasília, e um homem em um carro conversível parou do meu lado no sinal fechado. De repente quando eu saí com o ônibus para levá-lo na garagem, o carro começou a me seguir, andou 40 km, muito longe. Quando cheguei à garagem, meu marido estava me esperando, o homem do carro ficou tão sem graça, deu a volta e foi embora.”.

Ela ainda pode dirigir profissionalmente qualquer ônibus, mas prefere ser motorista particular de carro, fazendo viagens longas, como para o Rio de Janeiro, Espírito Santo acompanhando pessoas que não possuem experiência o suficiente para dirigir em estradas. “Se precisar dirigir um ônibus e ir para algum lugar, eu vou. Estou ainda bem apta para isso, só não quero mais pegar nenhuma responsabilidade com uma linha”, conta.


Um quase desastre e a volta para Frutal

Julia voltou definitivamente para Frutal já tem 20 anos. Morou por 16 anos em uma casa na rua Itapagipe e hoje, com o marido e três cachorros, Julia mora em uma casa que foi toda pensada, planejada e desenhada por ela. É a “casa ateliê”. Mesmo antes de ser motorista profissional, Julia aprendeu, sozinha, a costurar. Em sua casa ela faz capas de almofadas, fronhas, lençóis, tudo manualmente.

Além desse trabalho, Julia também revende roupas de algumas lojas de Frutal. Então a casa vive cheia, além das visitas diárias dos irmãos, muitas pessoas a procuram para esses trabalhos manuais e também para a reforma de móveis antigos. “Adoro fazer essas coisas, porque agora nem tenho mais idade para ser motorista de ônibus, apesar de ainda ser convidada. Mas acho perigoso, a gente não tem mais o mesmo reflexo, não tem mais a mesma agilidade. Vou fazer 65 anos, não sou mais aquela pessoa de 30, 40...”.

Julia decidiu parar de dirigir quando levou um susto na rodovia indo de Belo Horizonte para Brasília. “Eu dormi no volante. Foi a única vez que aconteceu alguma coisa ruim comigo nas estradas. O ônibus tentou tombar, virou de um lado, eu consegui controlar e virou do outro, na terceira vez consegui colocar ele reto. Mas graças a Deus nunca sofri nenhum acidente”. Depois disso, ela foi trabalhar na Viação Rio Grande, em Barretos, há 77 km de Frutal, e ali encerrou sua carreira como motorista profissional.


A família da motorista

Ao falar sobre família, Julia se emociona ao lembrar dos pais e do filho , todos já falecidos. Tem grande orgulho da família que formou com os irmãos, e também da união que eles têm. “Minha mãe era musicista, quando eu tinha 12 anos, ela pegava o acordeom e fazia a gente dançar, eu e meus irmãos. Tínhamos que aprender a dançar e a tocar pelo menos um instrumento cada um. Eu toco piano, violão, aprendi tudo de ouvido, nunca fiz aula. Então quando nos encontramos em um aniversário, tudo vira festa”.

A maior dificuldade em meio a todos os desafios diários da vida foi quando Julia perdeu seu único filho, aos 24 anos. Ele deixou um neto e a mulher que hoje moram em Bebedouro, São Paulo. Quando cresceu, seu neto deu trabalho com relação a dependência química, mas hoje mora com a mãe e trabalha por conta própria. “Eu tenho uma família muito boa, são todos muito amorosos, meus irmãos vem todos os dias na minha casa. Eu tenho orgulho da minha família, somos muito unidos”.

Ao perguntar o que Julia espera daqui pra frente, a resposta é simples e direta: “O que eu espero daqui pra frente é trabalhar menos, passear mais, curtir mais a minha vida. O que pretendo é viver bem, passeando, com saúde, é claro”.

Editorial: a voz vingativa das ruas

Posted in


Vive-se uma onda de crimes. E a violência está cada dia mais dentro do quintal de cada um. Sempre quando há esta onipresença do mal cotidiano, levantam-se as vozes em defesa da pena de morte.  
A pena criminal tem o seu caráter punitivo, sancionador, mas deve também ser uma meio de ressocialização. E é aí que o caldo engrossa. Intimamente, e coletivamente, não se acredita nesta ressocialização. É por isso que longas penas, estas que chegam a 80, 100, 120 anos, quando decretadas, trazem consigo uma certa sensação de alívio, pois se espera que  estes infratores não sejam vistos nunca mais e que apodreçam na cadeia.
 O sistema penal brasileiro não permite que ninguém cumpra pena além de 30 anos. E há vários dispositivos legais que permitem que o condenado saia da prisão bem antes do estipulado. E sempre que isso acontece, em casos amplamente cobertos pela mídia, há um sentimento de revolta e impunidade.
O caráter ressocializador da pena é o seu aspecto humano, positivista. É a descrença no mal absoluto e a confiança em que um trabalho dirigido, um ambiente propício, podem tornar o criminoso em uma pessoa sociável. O sistema penitenciário brasileiro tornou isso quase uma utopia. As penitenciárias brasileiras são verdadeiras universidades criminais. Juntando-se a isso o medo ancestral de que a maldade esteja incrustada nas entranhas de muitos, faz com que se deseje, consciente ou inconscientemente, o isolamento permanente destes seres.
A pena de morte é a radicalização deste desejo. Se a vingança pessoal de vítimas de crimes bárbaros é psicologicamente compreensível, a vingança estatal é inconcebível. Não se combate a monstruosidade criando-se monstros. Não se deve dar ao Estado o direito sobre a vida de ninguém. Um único erro judiciário e a morte de um inocente já demoliria o sistema. Como a ausência de erros é impossível, que este mecanismo não seja, portanto, implantado.
No Brasil, um plebiscito, instrumento legal e legítimo, sobre este tema, com certeza daria a vitória para a adoção da pena capital. É em situações como esta que, para o nosso bem, é bom que a voz das ruas não seja ouvida.